sexta-feira, 16 de maio de 2008

Natalidade

1. Notícia de primeira página, ontem, no Público: o saldo natural da população foi negativo, isto é, em 2007, pela primeira vez desde 1900, o número de nascimentos foi inferior ao de mortes. Perante estes dados, a jornalista não tem dúvidas sobre a explicação: “As mulheres portuguesas são das que mais trabalham fora da casa na União Europeia. São mal pagas e, muitas vezes, penalizadas por estarem grávidas. Os maridos pouco ajudam em casa. A rede pública de creches e jardins-de-infância é insuficiente e as medidas de conciliação entre trabalho e vida familiar são uma miragem. As razões por detrás da queda de natalidade em Portugal estão identificadas.

2. O problema é que é possível escrever quase tudo ao contrário, sem mudar a conclusão. Por exemplo, as mulheres alemãs são das que menos trabalham fora da casa na União Europeia e as que trabalham são bem pagas e, em regra, generosamente apoiadas quando estão grávidas. No entanto, a rede pública de creches e de jardins-de-infância é muito deficitária e as medidas de conciliação entre trabalho e vida familiar não são uma prioridade. A natalidade na Alemanha é das mais baixas da Europa. No Leste, onde as mulheres são também das que mais trabalham fora da casa na União Europeia, a rede de creches e de jardins-de-infância é densa mas a natalidade é baixa. Em rigor, apenas entre os nórdicos, onde a natalidade recuperou para níveis que permitem a substituição de gerações, a situação é diferente, pois embora aí as mulheres trabalhem fora de casa ainda em maior proporção do que em Portugal, existe uma boa rede de creches e de jardins de infância e estão em vigor medidas efectivas de conciliação entre trabalho e vida familiar.

3. Se quisermos ser sérios temos de concluir que hoje a natalidade diminui porque as pessoas tendem a ser mais responsáveis em relação aos filhos e porque mulheres e homens estão indisponíveis para trocar a possibilidade da realização profissional pela exclusividade da vida familiar. Já agora, sublinhe-se que se essa diminuição pode parecer egoísta à escala nacional, para quem tiver consciência da realidade global do crescimento populacional num mundo finito a mesma diminuição constitui elemento fundamental da solidariedade intergeracional. Ou seja, porque recusa a instrumentalização dos filhos e contribui para a sustentabilidade da vida humana à escala planetária, a baixa da natalidade constitui uma das maiores conquistas civilizacionais do nosso tempo.

4. Não significa isto que são irrelevantes ou menos importantes medidas referidas no Público como a melhor integração do jovens no mercado de trabalho (leia-se, menos precária), a conciliação entre trabalho e vida familiar, a promoção da igualdade de género ou o alargamento e melhoria da rede de creches e de jardins-de-infância: independentemente do seu contributo para a natalidade são medidas boas em si mesmo. Particularmente importante, a meu ver, é o alargamento e melhoria da rede de creches e de jardins-de-infância, pois tal não só permite uma melhor conciliação entre trabalho e vida familiar como atenua os efeitos de heranças sociais negativas. De facto, e sobretudo numa sociedade tão desigual como Portugal, a família não constitui necessariamente a instituição que, no plano da socialização, melhor garante, quando em regime de tendencial exclusividade, o futuro das novas gerações.

5. Entretanto, ficamos com o problema real do financiamento do sistema de reformas. Note-se, porém, que, ao mesmo tempo, diminuirá o custo financeiro do suporte social das novas gerações. Por isso seria importante, cada vez mais, gerir de modo articulado o conjunto do investimento social público (e voltamos ao debate sobre “tudo nos impostos”…), bem como afectar novos recursos ao financiamento das políticas sociais (o que conduz à discussão sobre a política fiscal). Entretanto, também, talvez não fosse má ideia apostar mais no saldo migratório, favorecendo a imigração, pois no conjunto do mundo as dinâmicas populacionais, ainda que maioritariamente convergentes em baixa, são muito assincrónicas, fazendo sentido a redistribuição do stock populacional global. E, se o problema é demográfico, convirá favorecer não apenas a imigração, mas sobretudo a imigração de fixação, o que remete para a necessidade de transformar imigrantes em portugueses num tempo curto, acentuando para isso a transformação do regime da nacionalidade num regime de ius solis.

6. Até porque a emigração portuguesa também voltou a crescer continuadamente desde a integração europeia, não devendo tal crescimento estar completamente desligado do aprofundamento da queda da natalidade: é que as migrações são demograficamente selectivas, sendo em regra os activos jovens, os que têm filhos, aqueles que mais migram…