sexta-feira, 16 de maio de 2008

O tempo da guerrilha na América Latina expirou

O efeito jurídico do relatório da Interpol sobre os computadores das FARC apenas incide sobre o possível uso da informação em tribunal, mas os conteúdos que vieram a público através do El país têm significado essencialmente político. Aliás, o timing da divulgação é demasiado óbvio para ser inocente – caíu em cima da cimeira Europa-América Latina.
Mas também não seria legítimo esperar inocência de nehuma das partes envolvidas naquela que já foi uma guerra civil e hoje é um conflito entre uma guerrilha que perdeu o sentido do tempo e uma democracia, por muito débil e propensa à oligarquia que seja. O presidente Lula tem razão quando afirma ao Globo que “hoje, com exceção das Farc, você não tem nenhum grupo propondo luta armada, você não tem guerrilha, você não tem terrorismo e você tem os países construindo a democracia.”
O fim da última “luta armada” seria uma óptima notícia para a América Latina. A demonstração de que a Venezuela apoia financeiramente as FARC e de que estas, por sua vez, apoiaram a campanha de Rafael Correa no Equador, apenas pôe certezas onde havia dúvidas.
A reacção de Chavez e Correa, descontando a retórica, também tem sentido. O acampamento podia bem ter sido construido para receber reféns. Pode até ser que o exército colombiano tivesse inteligence nesse sentido e tenha actuado de forma anti-humanitária.
Há um ponto provavelmente a favor da reputação das FARC na informação divulgada. É altamente improvável que não tivesse sido divulgada já qualquer informação apreendida que as ligasse ao narcotráfico e pode, por isso, depreender-se que essa nuvem perde densidade.
Em todo o caso, o que é relevante é que, para além dos métodos inaceitáveis do sequestro, as FARC têm que perceber que o tempo da guerrilha na América Latina expirou. Ingrid Bettancourt, que foi das que mais corajosamente o percebeu e defendeu corre o risco de ocupar no imaginário colombiano o lugar que D. Fernando esquecido em Ceuta ocupa no português.
Mas o que Chavez e Correa necessitam não é de uma atitude de virgens ofendidas por parte dos chefes de Estado que vão encontrar na cimeira. Estes, aliás, já sabiam o que agora todos vemos comprovado. Precisam, isso sim, de discursos vigorosos no sentido de que usem a sua ligação às FARC para as incentivar a integrar-se no processo democrático como tantas outras guerrilhas já fizeram. Já agora, o PCP pode mandar o mesmo recado aos seus amigos do PCC, instituidores das FARC.