sábado, 17 de maio de 2008

O “dia da libertação”

1. Segundo o Destak, com o inspirado suporte de Rocha de Matos, da AIP, durante 139 dias os portugueses trabalham “apenas” para os impostos. Este “apenas” é parecido com o “nada” dos Monty Python em A Vida de Brian, recentemente recordado numa crónica de Rui Tavares. Especifique-se: durante 139 dias os portugueses trabalham para terem “apenas”, entre outras coisas, estradas e ruas, barragens e redes de esgotos, água e luz, polícias e bombeiros, educação e saúde, sem contar com apoio na doença e no desemprego, etc., etc., etc. Presume-se, por isso, que o reclamado “dia da libertação” dos impostos seja também o da “libertação” de todos aqueles “apenas”.

2. Mas porque é “apenas”, reclama-se a antecipação do “dia da libertação” mais o milagre da manutenção dos “apenas”. Alguns, entretanto, conseguiram já concretizar tal milagre. Segundo o suplemento do emprego do DN de quinta-feira, dia 15, as “empresas portuguesas dão carro em vez de dinheiro” como “compensação financeira adicional ao salário” dos seus quadros, sendo as que mais optam por tal solução num conjunto de países europeus objecto de estudo pela consultora Watson Wyatt. A razão, afirma-se no texto, é a maior “eficiência fiscal” desta modalidade.

3. No mesmo dia, os ministros das Finanças da UE, reunidos em Bruxelas, clamavam contra os “salários ‘escandalosos’ dos gestores das empresas”, refere-se no Público. E fazem bem, porque o combate aos malefícios da desigualdade não passa apenas por políticas de redução da pobreza, mas também por medidas de contenção da riqueza. Para isso não é preciso reinventar a roda: “basta” (tipo “apenas”) reforçar o peso dos impostos directos na carga fiscal global e aumentar a progressão do valor das taxas fiscais sobre os rendimentos individuais.

4. Entretanto, e para não ficarmos apenas pela retórica, talvez fosse possível começar por acabar com a possibilidade de designar legalmente como “eficiência fiscal” o que no plano ético é “evasão fiscal” pura e simples (um bom exemplo do que noutros domínios se designaria por “anomia”).