É tudo igual? Não!
1. Já me pronunciei no Canhoto sobre o péssimo hábito de tornar fluidos e amplos os significados dos conceitos. É péssimo por, no plano analítico, diminuir o potencial de especificação dos conceitos e, portanto, a sua utilidade para designar uma classe específica de fenómenos — e é para isso que os conceitos servem. É ainda péssimo por, no plano político, promover a anulação das diferenças entre alternativas, acabando assim por se desvalorizar o que de pior estiver em jogo.
2. Uma das concretizações muito em voga deste mau hábito é a que se traduz no abuso do termo “violência simbólica”. Percebe-se a ideia, mas os resultados são com frequência lamentáveis, como é exemplificável por estudos sobre o fenómeno da violência doméstica em que se somam espancamentos (violência) com insultos (violência simbólica) para medir a frequência do fenómeno. Custa entender que quem assim procede não perceba que está, objectivamente, a desvalorizar a gravidade dos espancamentos.
3. Um destes dias, na Gulbenkian, foi Daniel Sampaio o protagonista de serviço da causa indiferencialista. Segundo a Lusa, Daniel Sampaio terá defendido que a “indisciplina deve ser olhada como uma forma de violência” e que a “violência escolar é todo o comportamento que pode violar a missão educativa de uma escola”. Estas afirmações são lamentáveis, a vários títulos. Em primeiro lugar, porque, objectivamente, desvalorizam a gravidade da violência, sendo portanto irresponsáveis. Em segundo lugar, porque dificultam a eficácia da acção contra a violência, ao tornarem nebulosos e fluidos os seus contornos, sendo portanto inúteis. Finalmente, porque deixam imprecisos os contornos da indisciplina assim impossibilitando a identificação das soluções específicas para a enfrentar e, em consequência, criando um sentimento generalizado de impotência em relação à realidade social.
4. A este indiferencialismo retórico convirá opor, por razões que são tanto de eficácia analítica como de responsabilidade política um enunciado alternativo: saberemos lidar tanto melhor com os fenómenos com que somos confrontados quanto mais formos capazes de identificar o que é específico em cada tipo de fenómeno e, portanto, o que é específico na acção sobre cada tipo de fenómeno.
5. Violência é diferente de indisciplina? É, como perceberá quem quer que seja que privilegie a eficácia e a responsabilidade do agir sobre o impacto retórico dos discursos.