Onde está a agenda anti-sindical, afinal?
Fernando Marques da Costa (FMC) acha que Maria de Lurdes Rodrigues (MLR) cometeu três erros grosseiros na gestão da avaliação de desempenho dos docentes.
Segundo ele, o primeiro desses erros “foi acreditar que, numa matéria desta natureza, negociar com os sindicatos e com eles assinar um documento é suficiente para assegurar o acordo da classe”. O segundo erro “foi o da intransigência negocial, quando era já evidente que os sindicatos tinham sido ultrapassados”. O terceiro erro “foi a forma como a cedência foi feita”. Pergunta-se: “Como é possível não ter percebido, após a primeira manifestação, que era preciso mudar de estratégia para salvar os princípios. É um erro grosseiro. Esperar por este tumulto todo – e abrir campo à justa intervenção do Presidente – é um erro dramático. Nem a forma habilidosa como o PM executou o recuo chega para evitar as consequências políticas de toda esta trapalhada.” Para concluir que com este processo “abriu-se uma caixa de Pandora e deu-se um balão de oxigénio a todo o movimento sindical”.
FMC não se pronuncia sobre o fundo da questão, interessa-lhe apenas o método, que analisa retrospectivamente. Mas vejamos a sequência do seu raciocínio:
A Ministra errou, primeiro, por ter acreditado que o resultado da negociação com a plataforma sindical estava consolidado. Ao contrário de muitos outros analistas, FMC não esquece que houve negociação e com resultados, mas responsabiliza-a por não ter previsto que os sindicatos encabeçariam, meses mais tarde, manifestações visando pôr em causa o memorando que os próprios assinaram. Concedamos que MLR não previu essa possibilidade. Qual deveria ser o corolário? Se FMC assinar um contrato comigo e não o cumprir eu cometi o erro de acreditar nele ou cometeu ele o acto reprovável de não cumprir a sua palavra? Se ele o assinou em nome de uma organização e ela o abandona, eu devo penalizar-me ou ele deve assumir as suas responsabilidades? Se todas as direcções sindicais que assinaram o memorando se tivessem demitido perante os movimentos “independentes” dos professores e MLR tivesse insistido em considerá-las interlocutores válidos, daria com facilidade razão a FMC, mas não foi assim.
Aliás, a negociação não começou depois mas antes da primeira manifestação e pergunto-me se as propostas iniciais de avaliação de desempenho levadas à mesa negocial seriam mais, igualmente ou menos burocráticas que o resultado final da negociação. Como os sindicatos nunca disseram que eram mais burocráticas do que o resultado final, talvez até fossem menos, o que não seria irrelevante para a discussão. Mas, adiante.
A Ministra errou, depois, por ter mantido a intransigência negocial quando os sindicatos tinham sido ultrapassados. Aqui, FMC faz outra curiosa inversão do ónus da responsabilidade. A Ministra nunca impôs pré-condições para negociar com os sindicatos, estes é que recusaram e recusam qualquer negociação sem pré-condições. Ainda hoje dizem que têm uma proposta mas não a mostram antes de o actual processo ser suspenso. Portanto, o erro da Ministra seria o de não ter dado aos sindicatos, para começar a negociar, tudo o que eles pediam como resultado final da negociação. Se o tivesse feito, negociaria o quê?
O terceiro erro da Ministra para FMC é ainda mais surpreendente. Ela teria esperado pela segunda manifestação… FMC esqueceu-se que o memorando de entendimento foi assinado depois da primeira manifestação. Isto é, após a manifestação o Ministério negociou com os sindicatos e o Governo conseguiu o memorando de entendimento que estes não conseguem, agora, cumprir e fazer cumprir.
Por tudo isto “deu-se um balão de oxigénio a todo o movimento sindical”. Esta crítica só pode resultar de uma agenda anti-sindical. Não vejo mal nenhum em que os sindicatos se reforcem. O pressuposto de FMC é o de que os sindicatos são forças de bloqueio, que devem ser manipuladas para se manterem frágeis e por serem frágeis terem pouco poder de obstaculizar a reforma. Vejo o sindicalismo completamente ao contrário: os sindicatos podem ser forças de mudança e aliados nas reformas que dignificam os profissionais que representam e melhoram o desempenho das organizações em que trabalham. Mas aqui FMC tem razão, os sindicatos dos professores estão a agir, de facto, como ele sugere. Se eu acreditar que esta actuação é a normal, terei então que converter-me aos que vêem neles um obstáculo.
Ou seja, FMC acha que MLR devia ter previsto que os sindicatos não cumprem a sua palavra, porque são frágeis e devia tê-los ultrapassado nas escolas, negociando-se sabe-se lá com quem. Assim, quebraria os professores e fragilizaria os sindicatos, conseguindo o que queria. Quem tem uma agenda anti-sindical, afinal, MLR ou os defensores da estratégia de FMC?