segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Os culpados do costume

O discurso sobre a imigração como problema é sempre incendiário. Numa situação de crise é ou irresponsável ou criminoso.

1. Paulo Portas defende que “em período de desemprego, é prudente ter uma política de imigração mais restritiva”. O raciocínio parece simples mas não é. Presume que os imigrantes competem com os portugueses pelos mesmo empregos, mas falta demonstrá-lo: estudos e estudos sobre o assunto mostram que o mercado de trabalho é bem mais segmentado do que a tese da concorrência deixa antever, pelo que é comum o desemprego aumentar e aumentar também a procura de trabalho imigrante. Até porque, no caso português, inserido num espaço europeu de livre circulação de trabalhadores, a emigração tem sido uma das respostas dos locais ao desemprego, abrindo assim espaço para o trabalho migrante. O qual, por sua vez, procura outros destinos quando é também atingido pelo desemprego, como aconteceu com milhares de ucranianos que, na sequência da crise económica de inícios do século (quando Paulo Portas estava no Governo), abandonaram Portugal. O desemprego é pois, em si mesmo, um poderoso regulador dos fluxos migratórios. Assim sendo, o problema está mais em declarações como as de Portas do que no mundo do trabalho, pois a percepção da imigração como ameaça ao emprego é alimentada sobretudo por essas declarações e o eco que encontram em preconceitos enraizados.

2. Por outro lado, a frase de Paulo Portas é hipócrita. Quer com ela Portas dizer que deve existir uma política restritiva de imigração no domínio dos sectores mais qualificados do mercado de trabalho? Como, por exemplo, dos médicos? Ou a reacção de Paulo Portas é selectivamente dirigida, como nos princípios da Revolução Industrial, contra a ameaça dos pobres que chegam à cidade? Quer Paulo Portas uma imigração socialmente purificada, sem os problemas sociais que existem em todas as populações humanas (como entre os portugueses)? Parece que sim, sobretudo porque não hesita, na mesma entrevista ao Público em mobilizar mais um fantasma da xenofobia: a criminalidade imigrante.

3. Segundo Paulo Portas, a imigração deve passar a ser um contrato que implique a possibilidade de fácil expulsão do imigrante que cometa um qualquer crime em Portugal. Colocada a questão neste termos, pareceria que a criminalidade imigrante seria uma das componentes-chave da criminalidade de hoje. Prova, não é apresentada, apesar de ser conveniente usar mais do que a retórica para contraditar todos os estudos que negam a existência de uma taxa de criminalidade mais elevada entre os migrantes do que entre os locais. Voltamos pois à defesa da purificação social da imigração e da sua representação como um problema através da selecção da pior história dos seus membros como história exemplar, assim credibilizando os preconceitos já atiçados pela suspeita do “roubo de empregos”.

4. Isto não é ser politicamente incorrecto. É populismo do pior, fruto do preconceito mais primário ou da irresponsabilidade mais gritante.