O que está em causa na proposta de suspensão da avaliação dos professores?
Há cerca de um mês deixei aqui dito que há limites que um democrata não pode tolerar que sejam ultrapassados, seja qual for a sua posição sobre o conflito dos professores.
Uma coisa é um desacordo quanto a pontos substantivos do sistema de avaliação dos professores ou de qualquer outro tópico do seu estatuto profissional. Para problemas dessa natureza, as democracias têm soluções institucionalizadas que vão do diálogo e da negociação directa entre os representantes legalmente competentes das partes em litígio, aos sistemas de mediação e de arbitragem, que são típicas dos sistemas maduros de relações laborais e que são accionáveis quando o diálogo e a negociação deixam de produzir resultados aceitáveis para o normal funcionamento das instituições democráticas.
Mas, depois do memorando de entendimento negociado e assinado entre o Ministério da Educação e os sindicatos dos professores que assumiram a responsabilidade jurídica da greve de ontem, já não é apenas disso que se trata. Julgo, por isso, que J.M. Paquete de Oliveira coloca bem a questão mais relevante do dia seguinte à última greve dos professores, quando afirma que esta “[…] já não é contra o processo de avaliação proposto pelo Ministério, já não é contra o Ministério ou contra a própria ministra, contra o Governo. E, em última análise, já nem é contra o sistema de ensino. É contra o sistema de governo.” Por isso, “[…] pôr como condição para conversações de possível entendimento a retirada do modelo é desafiar o próprio sistema da governabilidade democrática. Fica aberto um caminho sem retorno. O modelo agora em jogo é o da avaliação do sistema.”
É claro que os sindicatos têm o direito de discordar — por boas ou por más razões — das decisões dos governos e de manifestar essa discordância por todos os meios que a Constituição e a lei lhes asseguram, neles se incluindo, evidentemente, a greve política. E é igualmente claro que os partidos da oposição podem escolher vias mais ou menos populistas — ou, pelo contrário, mais ou menos fundamentadas — de oposição aos governos democráticos em funções.
Num caso como noutro, a questão é política e o resto, como se disse uma tarde no Terreiro do Paço, “é só fumaça”. Mas já não é compatível com o regular funcionamento das instituições democráticas que um conflito profissional — seja ele qual e entre quem for — ponha em causa o sistema constitucional de governo e as competências próprias de cada órgão de soberania. Uma decisão governamental legítima, ainda por cima baseada num acordo com os sindicatos representativos dos professores, não pode ser suspensa apenas porque a “rua” se manifestou com veemência. É aí que, goste-se ou não, a questão muda de natureza e que a lista dos protagonistas relevantes se alarga, ainda que se mantenham resguardados no silêncio.