terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A retórica anti-reformista (1)

Respondendo ao texto de André Freire no Ladrão de Bicicletas que, por sua vez, constituía uma réplica a este meu texto aqui no Canhoto.

1. Em Portugal, o estatuto fundacional das universidades baseia-se numa lei específica: a Lei 62/2007, mais conhecida por RJIES (de regime jurídico das instituições do ensino superior). Como referi no meu texto, essa lei permite flexibilizar a gestão das instituições universitárias que optarem pelo estatuto de fundação pública com regime de direito privado mas preserva a sua missão pública, nomeadamente porque mantém para as fundações universitárias o regime geral de acesso comum a todas as instituições públicas (artigo 135.º do RJIES), bem como o valor das taxas a cobrar pelo serviço prestado, que continuarão a ser as propinas públicas definidas por lei para todas as entidades públicas de ensino superior (n.º 4 do artigo 136.º). O RJIES estipula ainda que os estudantes destas fundações são abrangidos pelo sistema de acção social escolar nos mesmos termos dos estudantes das demais instituições de ensino superior públicas (artigo 137.º), que os vínculos com a função pública dos seus funcionários são mantidos com a transformação em fundação (n.º 4 do artigo 134.º), e que o modelo de organização é o mesmo das restantes universidades públicas (n.º 1 do artigo 133.º). Sobre estes “pormenores” concretos André Freire nada diz, contra-argumentando em termos gerais com suspeitas sobre desenvolvimentos futuros na base de outras experiências fundacionais (não identificadas) e com a invocação permanente dos perigos da “agenda neoliberal”. Ou seja, contrapõe a um discurso factualmente referenciado um pronunciamento ideológico abstracto, quando o que está hoje em jogo não é a possibilidade em abstracto do estatuto fundacional mas um modelo específico desse estatuto, concretizado no RJIES. É um estilo, mas um estilo que não facilita a troca racional de argumentos.

2. Entre as invocações da “agenda neoliberal”, não falta a referência à OCDE. Sem substituir por uma visão angelical a visão conspirativa de André Freire sobre o “papel das instituições internacionais (Banco Mundial, FMI, OCDE, etc.) na promoção da globalização neoliberal”, que recusa o reconhecimento de qualquer diversidade entre as organizações que cita, vale a pena colocar, pelo menos, uma pequena dúvida. Se bem percebo, quando André Freire se preocupa, hoje, em Portugal, com o problema do facilitismo na escola, estará a promover uma agenda de esquerda. Pelo contrário, quando a OCDE propõe dez passos para promover a equidade na educação e, neste âmbito, se preocupa com a repetência, estará a promover uma agenda neoliberal. Por que me parece estar assim colocado o mundo de pernas para o ar?