terça-feira, 5 de maio de 2009

Da diferença entre denúncia e bufaria

1. Comparar um inquérito feito hoje por um organismo de inspecção da República com um acto inquisitorial da PIDE é desvalorizar as diferenças entre democracia e autoritarismo de um modo que apenas desculpabiliza o segundo. Comum, por exemplo, em intervenções de Boaventura Sousa Santos, a estratégia argumentativa da indiferenciação (“é tudo a mesma coisa”) foi agora usada por Manuel Alegre, atingindo o grau máximo da demagogia na tirada “a Escola Pública existe para formar cidadãos e não ‘bufos’”.

2. É toda a denúncia um acto de bufaria? Claro que não ou, no limite, substituiríamos o estado de direito pelo faroeste a acabaríamos a fazer justiça com as próprias mãos. Alguns exemplos, num estilo “expliquem-me lá isso como se eu fosse muito, muito burro”. Um trabalhador denuncia, ao patrão, um colega que rouba a empresa: bufaria ou denúncia legítima? Denúncia legítima, claro. Um trabalhador denuncia, ao patrão, a participação de um colega em protesto sindical: bufaria óbvia. Um aluno denuncia, ao professor, a agressão de um colega: denúncia legítima. Um aluno denuncia, ao professor, o colega que diz que o sôtor cheira mal da boca: queixinhas! Um aluno denuncia, à Inspecção-Geral de Educação, a participação de um professor em manifestação contra o Governo: temos aprendiz de bufo. Um aluno denuncia, à Inspecção-Geral de Educação, o facto de um professor lhe ter dado dinheiro para ir comprar ovos para atirar à ministra: bufaria? Não, denúncia legítima de (sejamos simpáticos) “abuso de posição dominante”.

3. Distinguir não é difícil e faz falta quando se quer agir responsavelmente e promover, de facto, a escola pública: o que, convenhamos, é um pouco mais difícil do que a promover retoricamente, grafando-a, simplesmente, com maiúsculas.