sexta-feira, 9 de setembro de 2005

Ideologia pura

Segundo Pacheco Pereira (J.P.P.), no Público de ontem e, hoje, no Abrupto, as críticas ao “estado mínimo”, a propósito das consequências do Katrina, são puro discurso ideológico.
Entendamo-nos.
Claro que são críticas ideológicas! Como é ideológica a defesa do “estado mínimo”. Escamotear a natureza ideológica das alternativas sobre as funções do Estado seria contribuir para um maior enfraquecimento da nossa vida política democrática, quando um regresso à política é, cada vez mais, indispensável.
Obviamente a subtileza está nas expressões utilizadas por J.P.P. para dizer que aquelas críticas são apenas discurso ideológico. Como se a ideologia só fosse aceitável quando acompanhada de algo mais. Mas não só a ideologia é aceitável, e necessária por si só (isto é, apenas como ideologia), como muitos dos discursos críticos recusados por J.P.P. não são ideológicos. E não o são porque procuram circuscrever o seu âmbito em lugar de o alargar, por exemplo criticando expressamente Bush e o pensamento neo-liberal em lugar de se dirigirem contra uma qualquer entidade mítica como a América.
E, já agora, como caracterizar o seguinte argumento de J.P.P.?
«É um puro discurso ideológico, que, quando vem da esquerda, então é hipocrisia pura, porque o que sempre a esquerda radical disse é que a América era quase só isto.»
Como ideológico, claro.
Mas não só. O argumento, para além de puramente ideológico, é pouco sério, pois: (1) procura desqualificar um argumento desqualificando a sua origem e (2) desqualifica essa origem (a “esquerda”) atribuindo-lhe um discurso que, no entanto, identifica como característico de um sector particular dessa mesma origem (a “esquerda radical”).
Ideologia pura?