quinta-feira, 13 de outubro de 2005

Justicialismo pós-eleitoral

Confrontados com a vitória do que Louçã chamou “candidatos bandidos”, jornalistas e parlamentares clamam hoje por mais constrangimentos às candidaturas independentes e por um “endurecimento” das condições de elegibilidade nas autárquicas. Como avisa Vital Moreira a propósito de notícias segundo as quais PS e PSD quereriam mudar as regras de candidaturas independentes, “as reacções a quente raramente são sensatas”. A memória de tempos passados, de legislação apressada em resposta a pressões populistas, deveria ser suficiente para levar a sério aquele aviso. Infelizmente, a activação da memória poderá não ser suficiente. Importa, pois, incentivar o debate crítico sobre os riscos deste justicialismo pós-eleitoral.
Consideremos, em primeiro lugar, a ideia de limitar as candidaturas de independentes, ainda presente no discurso do CDS embora parecendo em recuo nos restantes grupos parlamentares. Se complicarmos as condições de apresentação de candidaturas independentes, corremos o rico de só as tornar possíveis quando os candidatos dispuserem de poderes de facto, independentes da sua posição institucional, poderes que lhes permitam mobilizar os recursos necessários para responder a tais exigências acrescidas. Ou seja, a selecção tenderá a favorecer, entre outros, exactamente o tipo de candidaturas que se pretendia evitar.
Em segundo lugar, a mudança das condições de elegibilidade. Já vista no passado, esta fúria moralizadora tenderá a, antes do mais, e como já foi salientado por David Justino, promover uma redução inaceitável de direitos, liberdades e garantias, porque violando gravemente o princípio da “presunção de inocência”. Tenderá, ainda, a ampliar as possibilidades de manipulação, por via judicial, do combate político, bem como a reforçar uma percepção pública negativa da política e dos políticos. No fim, esta tentativa de tudo solucionar por via legislativa e judicial servirá sobretudo para impedir que o investimento na mudança se faça onde é realmente necessário: no funcionamento da justiça e no retorno à política.
A justiça, quando funciona a tempo, parece permitir uma mais clara avaliação, pelos eleitores, dos candidatos que se apresentam aos actos eleitorais, como já foi salientado a propósito da derrota de Avelino Ferreira Torres em Amarante. Para potenciar esta clareza e destrinçar o trigo do joio, seria mais útil definir como urgentes os processos envolvendo políticos do que impedir um arguido de se candidatar.
Finalmente, quando a luta política se centra na política propriamente dita, é possível derrotar as propostas de eventuais candidatos demagogos. Ou seja, mais do que proteger a incompetência política debaixo do chapéu legislativo, necessita-se hoje, como tenho repetido nos últimos tempos, de um urgente regresso à política.