sexta-feira, 14 de outubro de 2005

Receita fiscal: Portugal recupera atraso

Entre 1975 e 2003, a receita fiscal em Portugal passou de 20,8% do PIB para 37,1%. No mesmo período, aqueles números variaram entre 33,1% e 40,5% na UE15. Embora convergindo lentamente com a Europa, Portugal tem ainda um pequeno diferencial (negativo) de 3,4 pontos percentuais em relação à média comunitária. Esse diferencial (negativo) aumenta para 13,5 pontos percentuais quando se compara o peso da receita fiscal no PIB em Portugal e na Suécia, um dos nossos parceiros mais desenvolvidos.




Figura 1. Evolução do peso da receita fiscal no PIB, 1975-2003
Fonte: OCDE




Figura 2. Comparação do peso da receita fiscal no PIB, 2003
Fonte: OCDE


Nenhum órgão de comunicação publicou esta notícia. Porém, ela foi construída com base nos dados do mesmo quadro do estudo da OCDE abundantemente citado nas televisões e jornais durante os últimos dias sob o lema “Portugal foi o segundo país da OCDE onde a receita fiscal mais cresceu desde 1975”. Debaixo de um título semelhante, o Público explica depois, com rigor, que esse crescimento foi mais elevado em Portugal (como em toda a Europa do Sul), porque a receita fiscal era muito baixa no início do período. Comparando o ponto de chegada em 2003 com o de outros países, conclui também, e com razão, que “isso não quer dizer que [a receita fiscal] seja actualmente muito alta. Pelo contrário.” Salienta ainda que foi o crescimento da receita fiscal que permitiu desenvolver sistemas como os da educação, da saúde e da solidariedade social. Apesar de um texto rigoroso, o Público manteve, no entanto, um título ideologicamente preconceituoso, pois é um título que sugere que a receita fiscal se está a tornar, em Portugal, demasiado alta por comparação com a da maioria dos outros países da OCDE.
Já escrevi no Canhoto, num texto intitulado Pobres suecos, que aquela avaliação negativa sobre o peso da receita fiscal não é sustentável quando se consideram os dados das comparações internacionais. A esta minha posição tende no entanto a ser oposto o argumento do mau uso dos dinheiros públicos e da consequente má qualidade dos serviços públicos. Não ignorando a necessidade de incrementar a racionalidade e o combate ao desperdício no uso da receita fiscal, entendo, porém, que este é, no essencial, um argumento errado. Compare-se, por exemplo, o crescimento da receita fiscal com o da cobertura do nosso sistema escolar: entre 1975 e 2003, a receita fiscal cresceu 1,8 vezes; no mesmo período, o número de alunos a frequentar o ensino secundário foi multiplicado por 3,5 e o número de inscritos no ensino superior cresceu 5,7 vezes.
Manter um Estado ausente da educação, da saúde e da segurança social sai barato, como se vê pelos números de 1975 sobre Portugal. Mas manter um Estado com capacidade de fornecer serviços públicos naqueles domínios não sai proporcionalmente tão caro como o aumento assim conseguido na qualidade de vida dos cidadãos. A redução da desigualdade desta forma conseguida é hoje, e continuará a sê-lo no futuro, um indicador fundamental do nosso desenvolvimento.