Paciência, perplexidade e respeito
O Tribunal Constitucional tomou uma decisão que tem por consequência adiar por um ano a possibilidade de fazer um referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez.
Depois das reacções de que tomei conhecimento ficaram-me três palavras a bailar no espírito.
1. Paciência Concordo com o Secretário-Geral do PS. Em tempo, achei que o partido podia ter seguido por outro caminho. Mas, não o tendo feito em congresso e antes das eleições, só uma razão política muito forte pode levar a alterar o compromisso. Ora, o que se passou, até agora, traduz-se no seguinte: o actual Presidente da República achou que não devia convocar um referendo numa data em que entendia que os portugueses não tinham condições para se mobilizar para o debate; o Tribunal Constitucional acha que a Constituição não permite ainda retomar a iniciativa que o PR entendeu que não podia conduzir ao referendo no Verão passado. Ninguém pôs em causa a ideia de referendo, procura-se a data politica e institucionalmente adequada. Não há razão para mudar de caminho por muito que custe esperar. Em democracia, é propedeutico que Sócrates o recorde, a paciência nem sempre é adversária das boas decisões. Provavelmente, bem pelo contrário.
2. Perplexidade O articulado da Constituição será tão confuso quanto à duração das sessões legislativas que conduz a que os juízes do TC se decidam pela margem mínima para o interpretar. Registe-se que estamos a falar de algo aparentemente tão simples quanto um prazo. A perplexidade não pode deixar de instalar-se quando descobrimos que questões que deveriam fazer parte das regras conhecidas, partilhadas e comuns do jogo se revelam de tão complexa interpretação. Não teria sido possível ao legislador ter feito mais simples? Que razões terão conduzido a que um preceito aparentemente tão fácil de objectivar se tornasse tão difícil de interpretar?
3. Respeito A democracia tem que viver do respeito pelo papel das instituições. Recordo o exemplo de Al Gore, convencido de que ganhou as eleições presidenciais, que acatou e obrigou os seus apoiantes a acatar a decisão do Supremo Tribunal de Justiça. O TC interpretou uma norma, está interpretada até que a interpretação do próprio TC ou o conteúdo da norma mudem, por muito estranho que pareça o conteúdo da norma assim interpretada.
Mas José Sócrates, ao pedir-nos paciência, contraiu uma dívida: o PS valoriza agora tanto o referendo que o próximo tem que ser muito participado para que tudo isto tenha feito sentido.
Sócrates e O PS não devem voltar a deixar o terreno aos extremismos de um e outro lado, nem convidar os seus protagonistas a que fiquem silenciosos ou passivos, como fez no anterior.