quarta-feira, 23 de novembro de 2005

Impostos, desemprego ou pobreza? #2

1. Depois de José Manuel Fernandes, vem Silva Peneda, deputado europeu do PSD fazer o julgamento sumário do modelo social europeu. Taxativo, afirma que “dos quatro modelos, os que apresentam mais problemas de sustentabilidade são o continental e o mediterrânico, pelo que é nestes que as reformas se impôem de forma mais urgente” (Jornal de Notícias, 22.11.2005, p. 18).

2. A palavra “sustentabilidade” pode reportar-se a várias dimensões diferentes e, perante as mudanças económicas e sociais aceleradas que vivemos, há muitas instituições que carecem de reforma, nelas incluido, necessariamente, o modelo social europeu. Curioso, é que hoje se incense o modelo social-democrata escandinavo, reformado, que ainda há pouco tempo se tomava como paradigma da generosidade excessiva. Ele continua a ser caro e a ter problemas, mas parece que mesmo visto por olhos liberais, é difícil de atacar.

3. Talvez a grande vantagem das social-democracias no espaço político da esquerda seja mesmo a que deriva de se ter sabido reformar perante imobilismos ideologicamente fundados (e talvez seja a isso que o Pedro Magalhães se refere, a propósito do que o António Dornelas disse, bem, sobre flexisegurança laboral). O que se associa a um sentido de reforma que não é guiado pelo corte de custos mas pelo equilíbrio entre recursos disponíveis e niveis de coesão social, que passa por reinventar a segurança dos cidadãos perante o trabalho (quando não no trabalho) e a falta de recursos.

4. Suspendo, por agora, a questão de saber se há um modelo “do Sul”. Proponho um exercício breve, em que actualizo o que fiz em tempos e que refiro no post anterior. Olhemos para os dados do Eurostat para o desempenho do sistema social em três dimensões — custo financeiro, níveis de emprego gerados e vulnerabilidade à pobreza e à exclusão social. Proponho também que, enquanto não temos mais informação sobre os caminhos da protecção social no leste, autonomizemos este grupo.
O que se vê na tabela, feita com os dados mais recentes disponíveis é o seguinte (clique para ver ampliado em janela própria):



a) se medirmos sustentabilidade pelos custos, isto é, pela proporção da riqueza nacional absorvida pelas despesas de protecção social, o modelo “mais” sustentável é, por agora, o liberal ou anglo-saxónico e o “menos” sustentável o escandinavo;
b) mas se medirmos pela vulnerabilidade à pobreza, trocam de posições (o mais sustentável é o escandinavo e o menos sustentável passa a ser precisamente o modelo liberal);
c) e se passarmos para os níveis de emprego, a melhor performance está nos países do modelo social-democrata e a pior passa a ser do Sul e o Leste europeu, seguidos do continental (se é que não lhe pertencem, ambos).

Qual deles é “mais sustentável”? A resposta depende do problema que se considerar mais importante. Se incluir os níveis de desigualdade e pobreza, terá que considerar, por exemplo, o liberal.

5. Neste quadro, Portugal acaba até por acompanhar mais o padrão liberal do que o dos países do Sul, se tivermos em conta os níveis de emprego. Embora seja menos barato por relação à riqueza nacional existente, porque ele é nominalmente inspirado no continental (como os outros do Sul).
Ou seja, para efeitos de modelo social, talvez até estejamos mais próximos da “filiação”, de facto, no clube liberal do que na que julgamos ter. O que coloca a questão de saber se tornar o nosso modelo mais sustentável é fazê-lo mais barato e com ainda maiores níveis de pobreza. Se não for, então o caminho seria o do combate à pobreza e à desigualdade, como fazem os escandinavos, mantendo níveis elevados de emprego. O que nos reconduz à questão de quanto estamos dispostos a gastar para sermos um país socialmente mais equilibrado.

6. A alternativa é a que está a ser tentada: medidas focalizadas fortemente no combate à pobreza (como foi o RMG e é agora a nova prestação para idosos), relativamente pouco caras e que reduzem a severidade mas não a dimensão do fenómeno.
Para fazer diferente, é necessária muita energia, como aquela que está subjacente ao que o António Dornelas disse sobre o mercado de trabalho ou ao que é necessário fazer em termos de desenvolvimento de serviços públicos, ou ainda quanto ao modelo de financiamento da protecção social.