Os poderes do Presidente: as novidades ficam para depois?
Quando se compara o que dizem os apoiantes mais qualificados de Cavaco Silva com as declarações do próprio, instala-se uma dúvida sistemática: o que explica as diferenças?
Dois exemplos recentes.
1. Na última entrevista do candidato do PSD e do CDS-PP (Público, 21/11/05) afirma-se uma concepção dos poderes presidenciais que, no fundamental, se distinguiria do entendimento e da prática do Presidente Jorge Sampaio pelo facto de o actual Presidente da República nunca ter promovido a publicação de “livros brancos”.
É certo que, contrariamente ao que às vezes se lê, o Presidente Jorge Sampaio dirigiu mensagens à Assembleia da República, fez publicar um conjunto de obras sobre temas relevantes e promoveu um conjunto de iniciativas destinadas a influenciar o curso político dos acontecimentos. Mas, mesmo que, no futuro, algum Presidente da República venha a seguir métodos aparentados, isso não torna legítimas comparações que não tenham em conta a substância das intervenções de cada um, as semelhanças e as diferenças entre as biografias e entre os valores que um e outro propõem. Por mim, continuo a achar que, se a forma conta, é a substância que é decisiva.
2. Na última entrevista de Rui Machete vai-se bem além do que disse o candidato Cavaco Silva e confirma-se a hipótese que já há tempos aqui admiti e explicita-se uma fundamentação para essa proposta de reforço da vertente presidencial do actual regime político.
De facto, Rui Machete afirma que (1) um governo monopartidário, mesmo com maioria parlamentar absoluta, como o actual, não dispõe da legitimação suficiente para realizar as reformas de que o País carece e (2) para enfrentar os défices de legitimação associados às medidas de combate à crise, o reforço dos poderes do PR é uma solução preferível a um governo de “bloco central”.
3. Com toda a sua subtileza, a tese de Rui Machete não esconde uma proposta de mudança do centro de gravidade do regime — de S. Bento para Belém — que vai na mesma direcção que a defendida pelo próprio Cavaco Silva mas é bem mais explícita: além do caminho, fixa alguns objectivos concretos.
4. Independentemente da bondade da tese, percebe-se a lógica eleitoral, quase subliminar, desta proposta. A mensagem, dirigida ao eleitorado que votou PS nas últimas legislativas, é, portanto, clara: é Cavaco Silva — precisamente porque não é apoiado pelo PS — quem pode assegurar ao Governo de José Sócrates o reforço da legitimidade de que este precisaria ou poderá vir a precisar.
5. Será que as diferenças são explicáveis pelo facto — incontornável — de que os presidentes eleitos tomam posse jurando cumprir e fazer cumprir a Constituição actual?
É por isso que, insisto, o candidato Cavaco Silva deve uma explicação aos eleitores a quem pede o voto: aceita ou recusa as teses de apoiantes seus tão qualificados como Rui Machete?
É que, se não se pronunciar antes dos portugueses votarem, é legítimo que se pense que se está a resguardar no silêncio para minimizar a reserva mental com que se pronuncia — e se cala — sobre a configuração constitucional do regime político actual.