O relatório Sapir e a Agenda de Lisboa: a visão liberal da UE vinga-se
1. Ainda a Cimeira de Lisboa, impulsionada por António Guterres durante a presidência portuguesa não tinha começado e já se fazia notar a tentativa de reduzir o que veio a ser conhecido por Agenda de Lisboa à reforma dos mercados.
Os defensores desta visão perderam em Lisboa, tendo o resultado sido fortemente influenciado pelo sentimento da generalidade dos governos de centro-esquerda da época.
2. A Agenda de Lisboa caracteriza-se pela integração de prioridades e por uma ambição que se expressa naquilo a que chamei o triângulo de Lisboa: crescimento e inovação; mais e melhor emprego; mais coesão social.
A Agenda não é original quanto à formulação de nenhum dos seus objectivos isoladamente, o que a distingue é a equação simultânea da vontade de crescer nos três e de o fazer articulando iniciativas ao nível da UE e dos governos nacionais, potenciadas pelo que ficou conhecido como "método aberto de coordenação".
3. Mas fica para a história que a relação de forças se inverteu logo a seguir, com a chegada quase simultânea ao governo de partidos e alianças conservadoras e liberais em muitos países da UE. O método adoptado em Lisboa depende do empenhamento dos governos e da força da Comissão Europeia. Ora, como sabemos, nem a Comissão foi forte, nem os governos se empenharam. E, sobretudo, a agenda desequilibrou-se, com os perdedores transformados em predominantes.
A revisita de Lisboa nos relatórios Kok e a “retoma” da agenda pela Comissão Barroso, bem como as sucessivas transformações da estratégia europeia para o emprego, cada vez mais subordinada às opções económicas foram dando passos nesse sentido.
4. Agora, o relatório apresentado por Sapir aos ministros das Finanças e aos governadores dos bancos centrais, procura impulsionar a reviravolta. Reduz a Agenda de Lisboa a uma tentativa de ultrapassar falhas de coordenação entre o nível comunitário e nacional, remete para a penumbra os objectivos de emprego e coesão e procura afastar o método aberto de coordenação, que considera fraco.
Ou seja, procura aproveitar a oportunidade aberta pelos insucessos políticos da UE — do tratado Constitucional à cabeça — para, não apenas, regressar à visão reducionista das reformas necessárias da UE, como reafirmar a velha visão da Europa-mercado.
Esta lógica implica a leitura enviesada da subsidiaridade (os modelos sociais são nacionais e intocáveis como tal) e a redução da acção desejada para a Europa ao mercado único. Como não haverá, previsivelmente, “mercado eleitoral” para a liberalização dos mercados de trabalho, confia na pressão da globalização para o fazer. Como, nesta visão, se considera irrelevante a qualidade democrática da União, parte-se do princípio que as reformas políticas ficarão no ponto morto em que se encontram.
5. Que fazer, então? Aos que se querem vingar da Cimeira de Lisboa, Sapir faz uma proposta clara e concisa:
At this stage, the best strategy would be to go back to basics and focus all efforts at the EU level on completing the Single Market [bold, itálico e sublinhado no original].
A ambição europeia, por estas mãos, volta a reduzir-se ao mercado único de bens e serviços. A derrota de Lisboa estará vingada no dia em que este passo reducionista for dado.