A polémica das cruzes
A polémica das cruzes nas escolas dá jeito a quem pretende agregar um “voto católico” nas próximas eleições presidenciais. Por isso Cavaco Silva se apressou a ampliar a questão e são os sectores mais tradicionalistas da Igreja Católica, sempre dispostos a puxarem-na para um lado do espectro político, que a agitam.
Não acredito que tenham sucesso. Felizmente, os católicos protugueses não são tão sensíveis ao “voto religioso” como os nosso candidatos a tele-evangelistas gostariam.
Acresce que a polémica é artificial. Já se percebeu que não há nenhuma iniciativa mata-frades do Governo nem nenhum programa de descrucificação das escolas. Apenas a consideração de queixas de famílias.
Por mim, acho que os símbolos religiosos não devem ser afixados pelo Estado e que ao fazê-lo presta um mau serviço às relações equilibradas com as confissões religiosas. E acho que as igrejas, no séc. XXI, teriam uma má estratégia se quisessem depender desses truques estatais anacrónicos para marcar a sua presença.
No entanto, nem sequer é isso que está em causa. Se um símbolo de uma religião incomoda uma família que é utente de um serviço público, de que lado está a liberdade religiosa e qual deve ser a acção do Estado? Parece-me claro.
Aliás, todos sabemos que o símbolo da cruz nem sequer é, ou talvez nem seja sobretudo, uma questão entre religiosos e laicos. Divide católicos e protestantes, por exemplo. Não me admirava nada que a generalidade das queixas apresentadas viessem de famílias crentes de confissões religiosas diversas.
Mas, já agora, duas perguntas aos católicos tradicionalistas irritados. Já repararam que estão a falar de 5, 10, 20 casos, em que serviços regionais agiram em resposta a queixas? E que a visibilidade da polémica pode ter como efeito aumentar o número de queixas?
Pergunto-me, finalmente, se a agitação desta questão não terá mais a ver com polémicas internas à Igreja Católica quanto à maneira de ver o seu papel do que, realmente, com o Estado ou as escolas.