Flexibilidades e seguranças (uma adenda a “Raio de realidade #2”)
O tema das relações entre produtividade e emprego, volta e meia, vem à mesa da discussão. Desta vez, não resisti a postar em adenda ao post do Rui Pena Pires (RPP), feito em resposta a um seu comentador. Como eu próprio já aqui fui a jogo várias vezes obre o tema — a vez anterior em “Os critérios sociais da direita”, de 28 de Novembro passado —, imagino que quem frequenta o Canhoto saiba que estou basicamente de acordo com o RPP.
1. Já nem a OCDE sustenta que a legislação de protecção do emprego (LPE) — cujo debate, em regra é, entre nós, resumido à lei dos despedimentos — só tem inconvenientes. Pelo contrário, a LPE pode desempenhar um papel anti-cíclico com aspectos positivos: dificulta o crescimento do desemprego nas recessões, embora possa ter efeitos de travagem nas fases altas do ciclo. Não são, aliás, nada claras as relações entre o grau de rigidez da LPE e os níveis de desemprego, como já foi várias vezes mostrado, mesmo quando se comparou o país mais liberal na possibilidade de despedir — os EUA — com o país cuja LPE a OCDE considera mais rígida, isto é, o nosso: as taxas de desemprego eram muito semelhantes.
2. Os exercícios feitos para a taxa de global de emprego também não permitem obter nada parecido com correlações aceitáveis entre esta taxa e o grau de rigidez da LPE. Mas já é verdade que as formas precárias de emprego tendem a ser mais altas no países com LPE mais rígida. Daí a hipótese, que me parece razoável e ajustada a Portugal, segundo a qual uma LPE mais rígida tende a segmentar os mercados de trabalho entre os insiders — com contratos típicos e mais direitos — e os outsiders, com empregos precários, menos direitos e piores condições de trabalho.
3. Quanto ao argumento de que é preciso reduzir o emprego para aumentar a produtividade, entendamo-nos: o Senhor de la Palisse lembraria que a fracção pode aumentar por (1) aumento do numerador, (2) por redução do denominador ou (3) por um efeito conjugado das duas variáveis.
4. É claro que quem reconhece que (1) o emprego é, para os que o têm e para as sociedades em que vivem, bem mais do que uma forma de obter rendimentos e (2) se preocupam com a cidadania social, prefere que o aumento da produtividade se obtenha pelo crescimento do numerador e não por redução do denominador.
5. Quem prefere a manutenção ou não consegue imaginar a melhoria duma dada estrutura empresarial ou padrão de especialização produtiva e pretende obter acréscimos de produtividade, escolhe manter ou aumentar o numerador e reduzir o denominador. Há mesmo casos extremos — de que Ludgero Marques é um exemplo conhecido, mas não único — em que se sustenta a necessidade de promover a redução do emprego, ao mesmo tempo que se defende a necessidade de aumentar as cargas horárias de de trabalho e a duração do trabalho. Mas, evidentemente, esse tipo de propostas sacrificam os interesses do trabalho aos interesses de curto prazo das empresas e dos seus titulares.
6. Há porém — mesmo simplificando muitíssimo, como eu estou aqui a fazer — uma alternativa para os casos em que a necessidade de mudança económica se torna imperiosa: é substituir parcialmente a protecção do emprego pela protecção dos rendimentos dos desempregados e pela promoção da empregabilidade — quer dos desempregados, quer dos que correm o risco de o vir a ser — através do aumento do acesso à educação e à formação profissional.
7. É essa a estratégia dos que querem (1) aumentar a produtividade e a competitividade das empresas sem (2) sacrificar no altar da competição empresarial no curto prazo, que não conhece limites sociais, a cidadania social dos trabalhadores.
8. Há falta de melhor nome, há quem chame “flexigurança” a esse tipo de estratégias, para sublinhar que se trata de alterar, simultânea e deliberadamente, quer as formas de flexibilidade, quer as formas de segurança do emprego, ligando melhor umas e outras tanto aos “imperativos” económicos como aos “imperativos” sociais.
9. O debate não opõe, portanto, apenas os que preferem a desfesa dos direitos adquiridos aos adeptos da flexibilidade à custa da equidade social. Opõe também, entre os que reconhecem a necessidade da mudança económica, os que estão dispostos a sacrificar uma larga parte da sociedade aos interesses próprios de um grupo social aos que não estão dispostos a sacrificar a cidadania social.
10. Será preciso dizer que os canhotos se batem pela procura e pela realização duma mudança económica compatível com mais — e não com menos — equidade social?