domingo, 8 de janeiro de 2006

O Hino

A PT usou uma variação da música do Hino nacional em anúncio institucional e, de imediato, se ergueram vozes de incomodado protesto.
A mim também não me agradou a ideia da PT. Quando ouvi o anúncio pela primeira vez, resmunguei: “não chegavam as ‘alegrisses’, agora até a publicidade tinha que ser patriota?” Mas os protestos acima referidos foram de sentido contrário: “como se pode usar um símbolo (quase) sagrado num anúncio? Falta de respeito para com a Pátria…” E, portanto, onde eu vi Pátria a mais, porque intrusiva, outros viram Pátria a menos, porque desrespeitada.

1. A reacção à combinação entre comércio e Pátria, que teve em Bagão Félix o mais radical dos protagonistas, é aristocrática e revela bem aquele desprezo pelas coisas do dinheiro que só tem quem dele, dinheiro, não tem falta. Não se percebe aliás por que é grandioso o uso do hino em coisas da bola, ou em competição eleitoral, e vergonhoso em competição económica. Faz lembrar a superioridade moral do corso sobre o comércio em tempos que já lá vão…

2. Para Bagão, o uso dos símbolos nacionais não deve ser banalizado, pelo que classifica de “pacóvia” e de “enjoativa” a multiplicação da presença da bandeira nacional durante o último campeonato da Europa. O respeito pelos símbolos nacionais é assim transformado em sacralização da bandeira e do hino. Sacralização que é mau caminho, pois promove emoções e irracionalidades que arrastam multidões para os menos nobres comportamentos.

3. Percebe-se, porém, a utilidade dessa sacralização. De que outro modo seriam levados a sério uma bandeira que “combina” verde e vermelho, ou um hino pobrezito na música e hoje ridículo na letra, tomada de empréstimo a reacção nacionalista datada a propósito de disputas coloniais passadas? Pobre país aquele que se identifica pela referência saudosista às “brumas da memória” e aos “egrégios avós”, pelo apelo bélico “às armas” ou pela dignificação da marcha suicida, peito aberto feito forcado marialva, “contra os canhões”.
Bem que precisávamos de uma actualização refrescante e modernizadora dos símbolos nacionais inventados pela I República.

PS: até lá, continuarei a levantar-me para ouvir tocar o hino. É a “pequena” diferença entre respeito e sacralização.