A concertação e o pacto social
Numa conferência do projecto em que trabalho, em Bucareste, um perito irlandês apresentava hoje a experiência do seu país na área das parcerias quando lhe saíu, a propósito do pacto social subjacente à emergência do "tigre celta", que a primeira parceria foi entre o governo e a oposição, que acordaram uma estratégia económica que depois foi secundada pelo diálogo com os parceiros sociais.
Quando, no post "coisas terrenas", escrevi sobre a necessidade de um pacto social digno do nome em Portugal, queria dizer que têm faltado recorrentemente na nossa concertação elementos indispensáveis para que os seus resultados mereçam a designação.
Um deles prende-se com o que dizia o colega irlandês, embora pela negativa. Entre nós, desde o famoso brinde envolvendo Cavaco Silva e Torres Couto à beira de uma campanha eleitoral, a concertação social de nível global e estratégico tem sido um elemento privilegiado de uma estratégia dos governos para contornar a oposição parlamentar e não para consensualizar uma visão necessária para o país, que transcenda as maiorias conjunturais.
Os efeitos desta abordagem são perniciosos. Os governos cedem à tentação de jogar a legitimidade da concertação contra a legitimidade política, usando parceiros sociais contra partidos. Os parceiros cedem à tentação de substituir o conteúdo da negociação e o compromisso com o cumprimento do que se estipula pelo acto simbólico de assinar ou não um acordo num dado momento, usando o governo uns contra os outros. Os partidos da oposição cedem à tentação de se distanciar de medidas necessárias que ficam por tomar ou são tomadas sem custos políticos.
Mas, sobretudo, assim a concertação é integrada em estratégias cruzadas que tornam mais difícil, se não inviável, um pacto social centrado nas mudanças realmente necessárias.