segunda-feira, 27 de março de 2006

O PS e o PSOE

Há uns tempos, andava o país entretido com polémicas sobre o défice, os regimes especiais da função pública e a política de investimentos, ouvi um dirigente do PSOE invejar a nossa sorte: «Apesar de tudo, sente-se uma grande tranquilidade aqui em Portugal. Em Espanha há manifestações de massa todos os dias contra a política do Zapatero, umas convocadas pela Igreja, outras pelas associações de vítimas do terrorismo. Sempre com o apoio do PP.»
A confrontação entre PS e PSD, por muito artificial que seja, continua a fazer-se bastante à volta das «performances» económicas e sociais dos respectivos governos. Entre nós, não é fácil estabelecer pactos nessas áreas, na linha do que sucede na Irlanda, na Finlândia ou, implicitamente, em Espanha. Em Espanha, a demarcação entre PSOE e PP baseia-se noutros temas, como a questão territorial (que cá não existe) e os chamados temas fracturantes. Só que a saliência da agenda fracturante não acontece ali apenas pelo voluntarismo de Zapatero: em Espanha, a clivagem centro-esquerda/centro-direita confunde-se com a clivagem religiosa, coisa que em Portugal só acontece entre os partidos à esquerda do PS e o partido à direita do PSD. Zapatero trabalhou uma agenda que, no fundo, já existia no eleitorado do centro-esquerda.

Este fim-de-semana, numa entrevista publicada no Expresso, Miguel Vale de Almeida defendeu que o PS devia ficar mais parecido com o PSOE. Já na semana passada o Paulo Pedroso sugeria aqui que o PS aproveitasse os próximos tempos para meditar no exemplo de Zapatero. Totalmente de acordo. As lideranças sempre contam para alguma coisa. Se Guterres afastou o PS da esquerda moderna, Sócrates pode (e deve) aproximá-lo. Além disso, já se viu nas presidenciais que governar sem ideologia não fideliza eleitorado e deixa o PS exclusivamente dependente dos resultados económicos. Mas, há sempre um «mas», vai ser preciso ter muita paciência. Tendo em conta as referidas diferenças entre a política portuguesa e a espanhola, é fácil prever que uma evolução ideológica do PS no sentido que se pretende será sempre mais difícil e mais lenta do que no PSOE.