A razão das quotas
Nos últimos anos, tem-se aproveitado o dia internacional da mulher para discutir ou apresentar iniciativas que visam introduzir o princípio da paridade no exercício de cargos políticos. Este ano não fugiu à regra: o PS e o BE já apresentaram dois projectos de lei nesse sentido. Admito que a existência de um dia internacional da mulher (porque não do homem?) seja um absurdo. O mesmo não se passa com a ideia de assegurar um mínimo de representação a cada um dos sexos nos órgãos electivos. Um dos requisitos fundamentais de uma democracia de qualidade consiste precisamente na existência de órgãos eleitos que espelhem a pluralidade da sociedade ou comunidade que representam. A própria Constituição está cheia de artigos que apontam para a igualdade entre homens e mulheres. (Mais discutível é estender este requisito a cargos públicos de nomeação, no governo e na administração, como propõe o projecto do Bloco).
Contra a paridade, argumenta-se que «a chegada das mulheres à política é uma questão de tempo» e que as quotas constituem «uma humilhação» para os que delas beneficiam, já que conduzem à entrada de pessoas nos órgãos eleitos por critérios alheios ao seu mérito. Estas ideias-feitas não passam a prova dos factos. Desde logo, é falso que seja tudo uma questão de tempo, uma vez que os factores de exclusão das mulheres não são apenas exteriores ao sistema político (educação, cultura, vida familiar, emprego, etc.); são também internos (lógicas de organização e de reprodução nos partidos políticos).
Por outro lado, o argumento do «mérito» também não cola. Em primeiro lugar, é estranho que só se tenham lembrado dele agora e não há mais tempo, a propósito da quota do secretário-geral, das quotas das concelhias, dos jotas e dos sindicalistas – tudo factores que há muito condicionam a elaboração das listas de deputados. Mas pior que isto é verificar que por detrás do argumento «mérito» está uma ideia de mão invisível que tudo resolve e que, levada ao extremo, também serviria para questionar qualquer política redistributiva, sendo certo que as desigualdades de género não são menos reais do que as de classe. Percebo que, a propósito da defesa da igualdade, um liberalismo conservador venha falar de «mérito» e de «humilhação». Não percebo é que um liberalismo de esquerda possa ir nessa conversa.