Traduções
No combate às discriminações emerge frequentemente uma mentalidade burocrática perigosa que, entre outras propostas, defende a necessidade de colectar dados sobre as características das pessoas que surgem como marcadores dessas discriminações. Por exemplo, para combater o racismo seria necessário dispor de dados sobre as raças.
Este argumento arrepiante representa a capitulação perante o racismo que era suposto ser seu adversário. Capitulação porque o essencial do racismo é a afirmação da existência de raças, isto é, a afirmação de que as pessoas são diferentes porque têm características físicas diferentes, como por exemplo a cor da pele. Ou seja, assume-se como não problemático o ponto de chegada do racismo, transformando-se as entidades relacionais que resultam da classificação social em entidades naturais cuja relação é necessário conhecer.
Estatísticas racializadas têm ainda outros inconvenientes. Em mãos menos profissionais permitem transformar problemas sociais em problemas raciais. Por exemplo, se olhando para as estatísticas se concluir que a maioria dos jovens estudantes “africanos” tem mais incucesso escolar do que a média dos jovens portugueses, logo haverá quem conclua, com toda a certeza do mundo, que estamos perante o resultado de práticas de discriminação racistas na educação. Um bom sociólogo teria o cuidado de fazer comparações mais finas. Por exemplo, compararia os estudantes africanos com os estudantes em geral, em Portugal, por origem social e qualificação escolar dos pais. Ao fazê-lo, descobriria provavelmente que a maioria das variações observadas no aproveitamento escolar dos jovens estariam mais ligadas à pobreza do que ao racismo.
Infelizmente, esta análise mais fina raramente é feita. Dá mais trabalho e demora mais tempo. E, em regra, tem menos sucesso garantido junto de governantes e de boa parte da opinião política publicada, pois a tradução de problemas sociais em problemas raciais, étnicos ou culturais tem a enorme vantagem de remeter para intervenções muito mais baratas. Pelo menos de início. No fim continuam de pé os problemas sociais preexistentes, a que se somam agora novos problemas raciais que escusavam de ser inventados.
É que já chegava o racismo existente à partida.