segunda-feira, 3 de abril de 2006

Batata insurgente

BrainstormZ, n’O Insurgente, questiona, em “Esquerda orgulhosa”, os meus argumentos no Canhoto (em “E com orgulho… !”).

1. Nesse questionamento, BrainstormZ começa por perguntar: “Se [diz que] o mercado é uma ‘criação humana imperfeita’ devo considerar que acredita ser o Estado uma criação divinalmente perfeita?” Não percebo a questão, por que razão terá de haver uma instituição divinamente perfeita nesta história? Mercado e Estado são, ambos, criações humanas imperfeitas, pelo que não faz sentido absolutizar, divinizar ou demonizar qualquer um deles. Da mesma forma que não proponho reduzir o mercado à sua expressão mais simples, mas regulá-lo, também não proponho um Estado mínimo (seja lá o que isso for), mas um Estado limitado por um sistema de pesos e contra-pesos. Mas a simetria acaba aqui, o Estado pode (e deve) regular o mercado, o mercado não pode regular nada. A razão é simples: no mercado actua-se, o Estado pode actuar.

2. A confusão continua, agora a propósito da minha defesa dos serviços públicos como condição de incremento da igualdade de oportunidades: “Se todos somos inegavelmente diferentes o que para uns é uma oportunidade não pode ser para outros uma incoveniência?” Para começar, o contrário de oportunidade não é a simples inconveniência, mas a crua impossibilidade (no sentido de fechamento, bloqueamento, impedimento). Ou seja, a inconveniência de alguns é de somenos como eventual custo do aumento das oportunidades da maioria. E é possível identificar oportunidades que não criam impossibilidades, fechamentos, bloqueamentos ou impedimentos (embora possam ter “inconvenientes”). Por exemplo, a escola pública ou o sistema de saúde pública tornam possível massificar o acesso àqueles serviços e não impedem ninguém de estudar ou de aceder à saúde — mesmo que o seu custo colectivo possa ser uma inconveniência para quem possa pagar os custos reais, privados, daqueles serviços.

3. Para finalizar a mais absurda das questões, a propósito da minha defesa da laicidade do Estado enquanto requisito da liberdade. “Só os cidadãos laicos são efectivamente livres? Está a dizer que a liberdade religiosa deve ser abolida?” Absurda porque “laico” não é qualificativo de cidadão (como não o são, também, por exemplo, “quente”, “caudaloso” ou “frondoso”). Laico é qualificativo de Estado e significa neutralidade religiosa do mesmo para que todos os cidadãos possam usufruir não só de liberdade religiosa mas também de liberdade em relação à religião.

Confesso a minha desilusão. Esperava mais d’O Insurgente do que a “lógica da batata” deste texto de BrainstormZ.