Pobreza e ideologia
1. O DN de hoje (27/04/2006) inclui um pequeno mas interessante artigo no qual, com base em dados do Eurostat, se mostra que, em Portugal, a intervenção do Estado reduz pouco o risco de pobreza — sobretudo em comparação com o que acontece noutros países da União Europeia (UE). O gráfico ilustra essa fragilidade da intervenção social do Estado entre nós: enquanto no conjunto da UE a taxa de risco de pobreza baixa 10 pontos percentuais depois das transferências sociais, e 19 na Suécia, em Portugal a intervenção estatal produz uma redução da mesma taxa de apenas 6 pontos percentuais (dados de 2004).
[clique no gráfico para o ver ampliado em janela própria]
Pobreza, transferências sociais e receita pública, 2004
Fonte: Eurostat
2. Nos comentários, João César das Neves afirma que o nível de despesa do Estado fomenta a desigualdade. Portanto, para melhorar a justiça social seria necessária a “redução da despesa do Estado” em Portugal. Só não se percebe porque são os suecos tão eficazes na redução do risco da pobreza, tendo um nível de afectação da riqueza nacional ao Estado muito superior ao observado em Portugal: 58% do PIB contra 43%, em 2004. Aliás, comparando apenas as três observações do gráfico (Suécia, UE e Portugal), verifica-se uma relação negativa QUASE perfeita entre receita pública e pobreza depois das transferências sociais. Quase, porque parte da resposta ao problema estará antes na maior ou menor eficácia das funções redistributivas do Estado. Raio de realidade, que se poderia conformar um pouco mais com as proclamações ideológicas de César das Neves.
3. Noutro registo, José da Silva Lopes avança com hipóteses de explicação pertinentes: fraca progressividade dos impostos sobre o rendimento, fraude fiscal, afectação de parte da despesa pública a sectores menos necessitados, distorções em alguns mercados, … Hipóteses que explicariam, simultaneamente, porque se redistribui mal e porque há menos para redistribuir.