Pornografia salarial e retórica neo-liberal
1. O meu post de ontem sobre os vencimentos dos administradores executivos do BCP motivou alguns comentários, quer aqui no Canhoto, quer aqui. Se bem entendo, e respondendo apenas aos discordantes, (i) ninguém contestou os factos nem a pertinência das comparações feitas, (ii) há quem entenda que é o mercado – e só ele – que fixa e deve fixar a s remunerações e (iii) há quem discorde do qualificativo.
2. Em primeiro lugar, o argumento do “mercado” tem as costas largas. É claro que o “mercado” pode, deve e tem influência na determinação dos rendimentos, sejam eles de administradores ou de trabalhadores. Mas também é evidente que “o mercado” não existe sem regras, que organizam a vida em sociedade, nem sem decisões de pessoas concretas que, essas sim, têm nome, morada e número de identificação fiscal.
Não contestei a legitimidade jurídica, que imagino que seja total, de quem for legalmente competente fixar as remunerações que lhe parecerem adequadas para os administradores executivos do BCP. O que disse – e reafirmo! – foram duas coisas: (i) salientei o facto de que essas remunerações eram, comparando o comparável, notoriamente mais elevadas do que as que seriam de esperar nos EUA, em França e no banco que se considera alvo dum OPA hostil; (ii) lembrei que, não havendo “almoços grátis”, o que se gastasse naquelas remunerações não poderia ser usado para pagar impostos ou salários, para reduzir os custos suportados pelos clientes ou para desenvolver o mecenato. Nem uma nem outra afirmações foram contestadas: o que li não passa de versões simplistas da retórica neo-liberal, típicas do que Keith Dixon chama Os Evangelistas do Mercado (Oeiras, Celta, 1999).
3. Quanto ao qualificativo que usei – e mantenho! – recomendo aos críticos duas referências bibliográficas que tenho por seguras: (i) Cândido de Figueiredo, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, Bertrand, 1996, vol II: 1685 e 2033; (ii) Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, 2001, vol II: 2452 e 2912.
4. Uma última nota sobre as minhas relações com o BCP, o BPI e os titulares dos rendimentos discutidos: não sou nem nunca fui accionista do BCP; deixei de ser cliente desse banco quando um dos sindicatos dos bancários – o SBSI – mostrou que havia critérios de recrutamento dos trabalhadores que discriminavam negativamente as mulheres. As minhas relações com o BPI resumem-se às normais, para um vulgaríssimo cliente. Não tenho nada de pessoal contra os administradores de qualquer dos bancos.
O que me incomoda é o critério, não os beneficiários dele.