“Aldeia global”
Como já foi assinalado, a utilização inicial da metáfora da “aldeia global”, a propósito do desenvolvimento da televisão, era prejudicada pelo carácter unidireccional daquele meio de comunicação. Apenas com o desenvolvimento de canais como a Internet, passaria a fazer sentido equiparar a intercomunicação mediada à intercomunicação presencial generalizada nas comunidades rurais.
Para mim, porém, o problema da metáfora de Marshall McLuhan sempre foi outro: a imagem positiva da “comunidade” que lhe estava associada. Como se a possibilidade da comunicação generalizada em contexto comunitário, “aldeão”, não constituísse, sobretudo, um poderoso instrumento de controlo social, de eliminação da possibilidade da individualização. Um instrumento que funciona através de mecanismos triviais mas eficazes, como o mexerico, a bisbilhotice, o boato…
No entanto, apesar de a metáfora me desagradar, não me incomodava, pois pensava ser inadequada. A multiplicação de programas televisivos onde, em público, se lava a roupa suja de casais e famílias, com avaliação instantânea pelo público presente em estúdio, começou a transformar o desagrado em incómodo. Parecia que a metáfora era, afinal, um pouco mais adequada do que o que parecia inicialmente. E confirmavam-se, também, as razões do meu descontentamento com os implícitos da metáfora. Não tinha, porém, imaginado a possibilidade descrita, um destes dias, no Jornal de Notícias: na China “marido traído usou Internet para se vingar”.
Confirma-se: a concretizar-se, a “aldeia global” será o pior dos pesadelos.