terça-feira, 10 de outubro de 2006

A reforma das pensões acordada na concertação social

O acordo hoje formalizado na concertação social é um acto de lucidez por parte do Governo e dos parceiros sociais que o assinaram, pelo menos por cinco razões:

1. É inovador: cria um mecanismo automático de ajustamento da idade da reforma à esperança de vida, deitando por terra reivindicações demagógicas como as de quem continua a sustentar de modo irrealista a redução da idade da reforma.

2. Adapta-se às novas previsões: acelera a transição para a nova fórmula de cálculo das pensões definida pelo acordo de 2001 (e cuja entrada em vigor o PSD tentou impedir na época) num processo considerado necessário para melhorar a sustentabilidade financeira do sistema face às novas previsões oficiais para a economia e para a evolução demográfica.

3. Mostra a capacidade de gestão do sistema público: mudaram as condições, adaptam-se as soluções, como qualquer bom gestor em qualquer domínio deve fazer e neste movimento simples desmente os que acham que o Estado não é capaz de tomar as decisões necessárias à gestão equilibrada das pensões.

4. Recupera o hábito de procurar consensos e negociar soluções: todos os subscritores recuaram em algo e o resultado final é melhor do que seria qualquer das propostas iniciais, algo que é democraticamente mais saudável e mais eficaz do que os defensores da autoridade unilateral propõem. Mais, os parceiros demonstraram que a concertação não é uma força de bloqueio e que quando mudam as circunstâncias podem rever os seus acordos, processo essencial para a confiança negocial.

5. Retira qualquer espaço nesta legislatura aos que defendem versões actualizadas da via chilena para o sistema de segurança social.

Este passo era necessário e está dado. Agora pode-se, querendo, passar a outros aspectos estruturais de reforma do sistema de bem-estar: procurar maneiras de ele ser mais redistributivo e eficaz na luta contra a pobreza e a exclusão; propôr formas de financiamento menos penalizadoras do trabalho e mais baseadas na cidadania; encontrar vias para um sistema misto que não seja canibal do público.

Também não foi ainda este acordo que conseguiu resolver o dilema neocorporativo que ao valorizar os parceiros sociais e, por essa via, a participação desvaloriza o Parlamento e, por essa via, os mecanismos representativos. É, de facto, desconfortável o papel reservado para o Parlamento por estes acordos, como eu próprio já o pude sentir em ocasiões anteriores.

Mas não se pode pedir a nenhuma iniciativa que resolva todos os problemas.