quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Às voltas com os voos da CIA

Há algumas coisas que se vão sabendo sobre a questão dos voos da CIA, na sequência dos trabalhos da Comissão do Parlamento Europeu:

1. Por toda a Europa houve governos que, no mínimo, fecharam os olhos a actividades ilegais da CIA, mesmo em países que discordaram abertamente da invasão do Iraque.

2. Esse fechar de olhos ou assentou em infomações existentes ao mais alto nível político ou retidas em serviços secretos, o que leva a duas conclusões alternativas, sempre más. Num caso, os governos teriam um discurso público e uma prática oposta. No outro, teriam um controlo insuficiente sobre os seus serviços secretos. Acredito que as duas coisas aconteceram.

3. Nesta questão, o facto de um Governo ter apoiado a invasão não o iliba de responsabilidades face a ulteriores violações de direitos humanos fundamentais. Mesmo que um governo apoie uma acção militar, face ao direito internacional não tem que (eu diria que não deve em caso algum) apoiar acções que violem manifestamente convenções e tratados a que esse país tenha aderido.

4. Portugal é um dos países que apoiaram a invasão do Iraque e em que se fechou os olhos a que pudessem ser cometidas violações dos direitos humanos em território português. Se o foram ou não, de facto, é provável que tenha dependido mais da necessidade dos americanos de o fazerem do que de outra coisa qualquer. Mas, de facto, parece que não se passou em Portugal nada de muito diferente do que se passou por toda a Europa. Tudo aponta para que Portugal não tenha sido uma peça diferente da generalidade dos países europeus na engrenagem dos voos ilegais da CIA.

5. Esta questão existe entre nós, de modo especial, no entanto, por duas razões. Em primeiro lugar porque a eurodeptada Ana Gomes se tem distinguido por diligenciar competentemente pelo apuramento da verdade, como era de esperar de uma pessoa com o seu currículo na defesa intransigente dos direitos humanos. Em segundo porque o governo português decidiu continuar a fechar os olhos, agora ao que o governo que o antecedeu saberia ou não.

6. Provavelmente, se o Governo tivesse optado por facilitar a investigação ao que se passou e se o Parlamento tivesse decidido protagonizar essa investigação, já saberiamos se alguma das alegadas violações dos direitos humanos ocorreu em território português e com que nível de conhecimento das autoridades.

7. Com a opção que o governo tomou só podemos saber, para já, que o Primeiro-Ministro acha mais importante proteger Durão Barroso de eventuais estilhaços políticos por causa do que possa ter acontecido do que apurar e tornar público o que for possível saber sobre se os serviços secretos norte-americanos envolveram o território português em acções de violação de direitos humanos fundamentais.