terça-feira, 9 de janeiro de 2007

Prémio Maffesoli 2007

1. Segundo o DN do último domingo, em artigo assinado por Manuel Ricardo Ferreira com chamada à primeira página, as “companhias de seguros estão a estudar a possibilidade de os signos dos condutores determinarem a forma como conduzem”. Para já, teria sido descoberto que os “ases ao volante são Leão e os aselhas de Balança”, em estudo de Lee Romanov (autoR, a acreditar no referido artigo, ou autoRA, se formos à página da InsuranceHotline , de Car Carma). “Estudo” e, sobretudo, artigo, merecem o Prémio Maffesoli 2007.

2. Não é a primeira vez que são publicadas notícias sobre novos factores de sinistralidade descobertos em estudos imputados a seguradoras. Lembro-me de um, se não me engano suíço, que garantia haver relação entre a cor do carro e o índice de sinistralidade: os carros vermelhos seriam mais perigosos, pelo que se recomendava não usar essa cor. É um dos problemas clássicos do mau uso da estatística: o que significa uma relação forte entre duas variáveis? Neste caso, provavelmente, que haveria mais acidentes com carros vermelhos porque esta cor está sobre-representada nos modelos desportivos, os quais tendem a ser escolhidos por condutores mais agressivos. Não seria pois a cor a causa da sinistralidade.

3. Um outro exemplo das múltiplas relações que se escondem por detrás de uma simples associação estatística entre duas variáveis: em estudo epidemiológico já com alguns anos, sobre a relação entre consumo de café e incidência de doenças cardiovasculares, realizado no Reino Unido, a correlação forte encontrada foi com o consumo de... descafeinado. Porque este provoca doenças cardiovasculares? Não, porque quem tem doenças cardiovasculares é aconselhado pelos médico a trocar o consumo de café corrente pelo de descafeinado. Ou seja, não se fica doente do coração por se beber descafeinado, mas bebe-se descafeinado quando se fica doente do coração.

4. Não conheço o eventual “estudo” referido no artigo do DN. Mas admitindo que há mesmo uma relação estatística significativa entre signo do condutor e sinistralidade automóvel, é preocupante a possibilidade de estarmos perante um efeito semelhante ao referido no parágrafo anterior. Ou seja, só faltava que a crença na astrologia fosse suficientemente forte e alargada para poder provocar, em muitas pessoas, ajustamentos de comportamento aos estereótipos usados para caracterizar os “nativos” de cada signo. É que não é necessário uma ideia ser verdadeira para ter efeitos reais sobre a vida das pessoas, como pode ser exemplificado pelo estudo de Giddens (em Transformações da Intimidade) sobre os efeitos da literatura de auto-ajuda, tipo consultório sentimental da revista Maria, no domínio da vida afectiva e sexual.

5. Pena que o DN tenha cedido ao estilo de tal tipo de literatura...