(Também) uma vitória da esquerda
A noite eleitoral acabou cedo nas televisões, mas continuou noite dentro nas rádios. Acho que já passava da meia-noite quando Luís Osório deu assim por encerrada a emissão do Rádio Clube Português: «Tirando o Ricardo Araújo Pereira, não vejo assim uma figura pública que se tenha destacado neste referendo.». O outro pivot, de que não me recordo agora do nome, não percebeu a subtileza do director de informação e respondeu: «Bem, talvez José Sócrates». Piadas à parte, tendo a concordar com o pivot. Em 1998, nos referendos do aborto e da regionalização, o PS apareceu mais ou menos dividido e acabou por ser nas suas zonas de influência que a abstenção mais se fez sentir. Nos dois casos, o não ganhou. Desta vez, o PS apareceu unido e mobilizado em torno de uma posição equilibrada e tolerante. E o sim ganhou mesmo. Dizer, como dizem hoje Pedro Lomba (DN) ou Pacheco Pereira (Abrupto), que o resultado de ontem não significa uma vitória da esquerda nem permite leituras partidárias é negar todas as evidências. Nem vale a pena lembrar o facto de o aborto ser, historicamente, uma das questões em que as clivagens eleitorais mais coincidem com a divisão esquerda/direita (e assim continuará enquanto a nossa direita for como é). Basta olhar para a distribuição regional da abstenção (nos mapas que os jornais de hoje nos fornecem) para se perceber a impacto que tiveram, por um lado, a mobilização dos partidos de esquerda e, por outro, a desorientação da direita, que deixou a estratégia do «Não» inteiramente nas mãos dos movimentos de cidadãos. O estilo «soviético» de Sócrates, de que Inês Pedrosa se queixava na última edição do Sol, ontem deu bastante jeito.