terça-feira, 10 de junho de 2008

Pode a esquerda continuar a escolher entre a maioria absoluta do PS e o dilúvio?

No Público de hoje (link infelizmente indisponível), Vital Moreira caracteriza certeiramente o actual estado da relação da esquerda parlamentar com o governo do PS e as políticas do actual governo. Desse diagnóstico resulta que a esquerda continua no impasse quanto a soluções de governo que dura desde o fim do PREC, apesar de terem entretanto caído muros na Europa e de ter havido múltiplos aggiornamentos.
De facto, Portugal tem óbvia governabilidade quando pretende virar à direita, menosprezar as políticas sociais e adoptar medidas económicas liberais e políticas conservadoras: entrega o governo ao PSD sozinho ou em coligação com o CDS.
O problema está quando os eleitores rumam à esquerda e o PS não tem maioria absoluta. O PS, ou está condenado a governos isolados no espectro parlamentar, como aconteceu a António Guterres e antes ao primeiro governo de Mário Soares, ou a alianças com forças conservadoras que se revelaram sempre contranatura, como no PS-CDS e no Bloco Central.
Perante isto, depreende-se da argumentação de Vital Moreira o apelo à renovação da maioria absoluta do PS. Os problemas referentes às reformas necessárias seriam, assim, acautelados. Concordo. Há, no entanto, outras questões a ponderar, sem caír na ingenuidade da defesa de maiorias de esquerda que hoje são simplesmente irreais.
Estou convencido que o PS é um partido tímido perante o conservadorismo, reverente perante a Igreja Católica em matérias morais e complexado em relação a sindicatos e movimentos sociais, mesmo que tenha maioria absoluta, porque a sua elite dirigente interiorizou que só nas instituições mais conservadoras pode, quando no governo, desfrutar dos apoios, ao menos tácitos, bem como só com elas pode negociar soluções que permitam ao partido governar o país. Ou seja, a vulnerabilidade do PS ao conservadorismo não é ideológica nem estratégica, é uma adaptação táctica que se eterniza porque se eterniza o impasse.
Mas este não pode ser o resultado eterno da equação da esquerda em Portugal. Para que o PS mude, para que as suas políticas de esquerda possam ser mais firmes, é necessário que a esquerda fora do PS mude e nela se instale uma cultura de alternativa e não meramente de resistência. É neste ponto que não partilho do conformismo expresso por Vital Moreira nem da complacência silenciosa de Manuel Alegre perante os atavismos conservadores do Bloco (que o PCP é um caso perdido e viverá do populismo obreirista enquanto existir na sua forma actual).
Quem quiser levar o centro mais para a esquerda e governar o país tem que exigir ao Bloco que se liberte das heranças da UDP e do PSR e corajosamente pense se pode e quer ser e em que condições a mão esquerda de um Governo de progresso. Há princípios básicos que teria que aceitar - as consequências da participação portuguesa no Euro, na União Europeia e na NATO, por exemplo. Teria que fazer agora o debate que fizeram os Verdes alemães há uma década. Se o BE já não procura a revolução permanente, não quer a revolução cultural e não quer fazer reviver o modelo soviético, o que o impede de dar esse passo? A hesitação do Bloco em relação ao passado dos seus protagonistas é um dado do problema da esquerda em Portugal. Sem a superação dessa hesitação, não se pode esperar nada de muito diferente do PS no futuro próximo.
Não seria mau para o país que o PS renovasse a maioria absoluta, mas não podemos continuar indefinidamente à esquerda a hesitar entre a maioria absoluta e o dilúvio.
Há o hábito de que pensar a esquerda é desafiar o PS. Também é. Mas não podemos esquecer a necessidade de desafiar as outras forças da esquerda para que deixem de fazer parte do problema e passem a fazer parte da solução. Aos que passam a vida a querer, de fora ou de dentro, que o PS mude, gostaria de afirmar que a mudança do Bloco é uma condição - e não menor - dessa mudança. Só assim António Costa deixará de ter razão quando diz que Manuel Alegre ficou preso à Trova do Vento que passa e Jerónimo de Sousa deixará de ter razão quando diz dos que foram à Trindade que são a esquerda falante.