Alegre respira o socialismo democrático de um modo que o PS não pode dispensar sem deixar de ser o que é
As reacções que o DN de hoje regista à entrevista de Manuel Alegre preocupam-me. De nada adianta dizer que "a bola está do lado dele".
Julgo que se deve levar a sério o que pode fazer alguém que tem a sua história no PS prinunciar estas palavras, ponderar estas ideias e ter tanto desencantamento com o seu partido. Há muito que penso que a "fractura presidencial" foi mal produzida e pior cicatrizada e sinto que há, quer do lado da direcção do PS quer da parte de alguns apoiantes de Manuel Alegre, quem prefira uma ruptura destituida de fundamento que lhe retire em razão o que possa até dar-lhe em apoio eleitoral.
Escrevi, já em Fevereiro de 2006, aqui no Canhoto que o PS é o lugar político de Alegre e ele não é, de perto nem de longe, o único culpado da fractura presidencial.Manda o bom senso que Alegre e Sócrates refreiem os seus fiéis e contenham os estados de alma recíprocos. E cada passo bem sucedido que derem um em relação ao outro melhora a governabilidade do país, que bem precisa de um governo fiél ao centro-esquerda, quando o eixo do poder continua a deslizar para a direita.
Mais de dois anos depois,vejo em Manuel Alegre um homem cada vez mais solitário no seu próprio Grupo Parlamentar, criticado em surdina com frases no mínimo deselegantes e tentativamente isolado num estatuto de excepção que, se lhe permite votar livremente de acordo com a sua consciência, também acaba por legitimar a falta de debate e reflexão interna na formação de decisões importantes.
Não creio que adiante nada de bom à discussão sobre o futuro do PS a sobranceria dos que venham dizer-lhe (e a outros) que se submeta(m) à "linha do partido". O PS nunca foi casa de tais simplificações leninistas. Mas preocupa-me mais o fundo da questão política que os tiques de alguns dos nossos camaradas.
Concordo com Alegre que a esquerda socialista precisa de reinvenção e concordo com ele quanto a que falta ainda a reflexão política que nos permita estar à altura das mudanças de fim de século. Vários PS 's pela Europa fora estão atacados de um síndroma vertiginoso, rodopiam há anos em busca do centro do centro do centro e arriscam-se a dar um dia por si no espaço da direita democrática, tentando ganhar eleições contra os seus eleitorados para exercer o poder fora do quadro das suas ideias. Não vou por aí!
Discordo frequentemente de Manuel Alegre quando passamos à discussão das políticas concretas, sinceramente porque acho que ele se deixa afastar excessivamente da necessidade de pensar a acção transformadora, enlevado pelo momento, igualmente necessário mas por si só insuficiente, da crítica. E ainda porque acho que ele se irrita demasiado e quando se irrita diz coisas diferentes das que expressa quando reflecte ponderadamente sobre os problemas e as soluções necessárias. Mas continuo convencido que ele respira o socialismo democrático de um modo que o PS não pode dispensar sem deixar de ser o que é.
Julgo que em vez de tentar submeter Alegre à "linha do partido", é o momento de os camaradas dirigentes discutirem com toda a abertura e com o máximo de sensibilidades diferentes quais vão ser as linhas com que este se vai coser depois de 2009.
José Sócrates tem a grande responsabilidade de ter um partido disposto a obedecer-lhe e erra se pensar que o seu caminho é o de o fechar sobre os escolhidos e os nomeados. Em vez de por os assessores dos gabinetes ministeriais a preparar planos para salvar Portugal dos portugueses precisa de envolver toda a grande família socialista na sociedade civil na elaboração de uma plataforma governativa que valha para a próxima década.
Acho que este Governo é, no seu melhor, a terceira volta do Programa dos Estados Gerais para a Nova Maioria, que nos deram os governos de 1995, de 1999 e este. António Guterres viu, então, que era preciso abrir o PS à direita e à esquerda para derrotar o herdeiro de Cavaco Silva ou o próprio se não tivesse desistido de ir a jogo.
Agora é José Sócrates que tem que encontrar o seu momento de máxima abertura e o próximo Programa de Governo será o primeiro genuinamente produzido pela sua liderança. Ainda acredito que saberá encontrar o seu próprio método de debate com a sociedade portuguesa e que não confundirá esse debate com sessões de propaganda mais sofisticadas que a média. Mas, se nas próximas semanas partir para essa tarefa começando por uma "lista de dispensas" ou por acolher com simpatia auto-marginalizações diversas, ainda acaba com um programa que Manuela Ferreira Leite gostasse de copiar e um entendimento para governar o país com Paulo Portas. Esse caminho, contudo, já seria o de outro PS que não o daquele para que entrei e, então, não só compreenderia muitissimo bem que Alegre quisesse dispensar-se de tais companhias, como lhe daria razão em fazê-lo.
PS. Entretanto, registo que também o Luis Novais Tito já tinha escrito no mesmo comprimento de onda.