segunda-feira, 17 de novembro de 2008

É a governabilidade … Senhores!

1. Duas manifestações de mais de 100.000 pessoas, com um acordo entre o Ministério da Educação e os sindicatos dos professores a separar a primeira da segunda, são sinais que merecem reflexão e debate sério.
2. Recapitulemos os factos, começando pelo que o Ministério da Educação pode reivindicar a seu favor: escola a tempo inteiro; generalização do ensino do Inglês no primeiro ciclo do ensino básico; encerramento das escolas com menos de 10 alunos e criação do programa dos Centros escolares; aulas de substituição e outras actividades acompanhadas e supervisionadas por professores; colocação de professores por 3 a 4 anos; provas de aferição no 4.º e no 6.º ano de escolaridade, a maior operação de avaliação externa; planos especiais nos domínios estratégicos da leitura e da matemática; desenvolvimento do ensino profissional; aumento para o triplo dos alunos com apoio social escolar; modernização do parque escolar; inovação tecnológica maciça – nas escolas e para os alunos - para evitar a exclusão e garantir a igualdade de oportunidades. O mínimo que se pode dizer, é que será bastante difícil considerar, com um mínimo de fundamento, que estes resultados não são superiores aos que um cidadão razoavelmente informado poderia esperar.
3. Do lado sindical, a situação não menos é invulgar: num país em que a taxa de greve no sector privado da economia caiu na década de 1990 para menos de 1/5 da década precedente, o menos que se pode dizer é que a capacidade de contestação demonstrada pelos professores é flagrantemente elevada, mesmo tendo em conta que se trata dum sector da administração pública e, por isso mesmo, dum sector protegido dos impactos directos da competição internacional; num país em que a regra é o desacordo e a competição política entre as principais forças sindicais, o actual conflito laboral dos professores tem mostrado exactamente o contrário quer do que se verificou aina nesta legislatura na administração pública em geral, quer, durante décadas, no sector público da educação.
4. Até à negociação e à assinatura do memorando que se seguiu à primeira das duas mega-manifestações, poderia dizer-se – e houve quem o dissesse até à exaustão! - que o que estava a alimentar o conflito em torno do estatuto profissional dos professores seria a incapacidade de diálogo da equipa governamental. Não é a minha opinião mas podia admitir-se o argumento. Depois daquele memorando, ambas as partes têm o dever recíproco de cumprir os compromissos a que se vincularam livremente e de tentar regular por negociação os diferendos que existam. E, que se saiba, os sindicatos nem sequer propuseram alterações ao memorando que subscreveram: limitaram-se a ignorá-lo.
5. É claro que não contesto o direito de protestar – por todos os meios lícitos, incluindo, evidentemente, a manifestação e a greve – contra aquilo de que discordamos: têm-no os professores, como qualquer de nós, cidadãos dum Estado de Direito. E como a liberdade sindical é um valor tão frágil como precioso, nem sequer quero discutir a oportunidade e o fundamento das manifestações dos professores. Há, porém, um limite que, se for ultrapassado, muda a natureza do conflito: é a recusa de cumprir normas legais em vigor, sejam elas sobre a avaliação dos professores ou dos alunos, sobre o pagamento dos impostos ou sobre o código da estrada.
6. Nesse caso, só há um tipo de consequências admissíveis numa democracia: os infractores comprovados e conhecidos terão de ser punidos.
7. Quem preza a democracia política e a liberdade sindical não pode desejar que se chegue aí. É por isso que me espanto com à vontade com que alguns responsáveis políticos de primeiro plano – e também alguns de segundo … - atiram lenha para a fogueira em que os repetidores de sms e alguns sindicalistas estão a tentar queimar a Ministra da Educação e, por arrasto, todo um governo eleito.
8. Não, o problema não é saber se não é possível melhorar o sistema de avaliação dos professores ou se o estatuto dos alunos não só não é "facilitista" como, afinal, é “dificultista” de mais. Não, o problema não é saber de que tamanho é a capacidade dos professores e dos sindicatos se oporem a critérios de construção duma nova carreira profissional de que discordam.
9. O problema é que se está a criar uma situação que pode encaminhar-se rapidamente para a ultrapassagem dos limites em que dificilmente deixará de haver custos muito elevados. O problema é que é sobretudo nestas situações que as instituições democráticas têm de funcionar, e funcionar bem. Isto é, têm de ser capazes de gerir os conflitos, mantendo-os dentro de limites que não questionam a democracia. E é por isso que mesmo que a Ministra da Educação não merecesse respeito - e, a meu ver, merece-o inteiramente! – o problema não é saber se, como e quando ela termina o seu mandato: o problema é a governabilidade do país … Senhores!
10. Nas vésperas duma crise como a que parece que aí vem, era difícil esperar pior para a legitimação das instituições democráticas e para a governabilidade do país. É por isso que não vale a pena fazer de conta que ainda não se percebeu que o que está passar-se na educação não é um mero problema profissional cujos actores relevantes são apenas a equipa governamental e os sindicatos do sector. Não são e, pelo caminho que as coisas estão a tomar, os sindicatos dos professores podem vir a descobrir tarde demais o tamanho do erro que cometeram ao transformarem, como estão a fazer, a rua em alternativa à mesa das negociações institucionalizadas.