terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Serendipidade

1. É, segundo Robert Merton (pai, o sociólogo), um dos modos como se manifesta o poder criador da investigação empírica. Neste modo extremo, a descoberta do dado imprevisto mas estratégico conduz o investigador a formular uma nova teoria. Noutros casos menos extremos, o poder criador da investigação empírica manifesta-se em descobertas que pressionam no sentido da reformulação, recentramento ou clarificação da teoria.

2. Esta relação de maior interdependência entre trabalho teórico e trabalho empírico distingue o conhecimento científico e técnico da mera proclamação doutrinária e da retórica descontrolada. “Afinal”, como refere ainda Merton, “a teoria sólida só prospera com uma dieta rica em factos pertinentes” (Sociologia: Teoria e Estrutura, p. 181).

3. Quando se avaliam as políticas públicas, é útil reter esta discussão de Merton sobre “as funções teóricas da investigação”. Nomeadamente quando se discutem os méritos e deméritos de novas propostas de políticas, conviria não fixar como objectivo a inacção até à descoberta do modelo perfeito de política, ou de tentar definir este numa lógica conservadora minimalista, eliminando todas as dimensões em relação às quais seja possível antecipar, em termos estritamente lógicos, um qualquer efeito indesejável.

4. À paralisia induzida pela busca da perfeição e ao conservadorismo que resulta da hiper-antecipação de efeitos perversos há que opor uma concepção de políticas públicas que incorpore o valor da experimentação bem temperada. Isto é, de uma concepção em que, salvaguardadas temporariamente as pessoas de eventuais riscos negativos irreversíveis associados à aplicação de novas políticas, o enunciado destas admita à partida a possibilidade da sua correcção ou reformulação a partir da experiência da sua aplicação. O que requer, como é óbvio, a criação de espaços partilhados de monitorização dessa experimentação.

5. Infelizmente, a retórica anti-reformista, à direita como à esquerda, no discurso político como no mediático, recusa admitir a naturalidade da imperfeição e o valor da experimentação no aperfeiçoamento do trabalho social. Substituindo-a pela reivindicação da perfeição, sabe-se lá se de natureza divina, anula, na prática, qualquer possibilidade de inovação.