quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Impostos, crise e legitimidade

Sobre a irresponsabilidade das propostas de PSD e CDS de baixa de impostos para combater a crise, já Vital Moreira disse o que havia a dizer. Há porém, neste domínio, uma questão ainda por discutir: a eventual introdução de mais um escalão do IRS, aumentando, progressivamente, o imposto sobre os rendimentos individuais mais elevados. Ligação com a crise? Claro, mas não só.

1. Esta semana, no Canhoto, chamei a atenção para o facto de o valor atingido pelos muito altos salários, que podem ultrapassar os 1.000 salários mínimos nacionais, exigir o alargamento das políticas de combate à desigualdade, que não são só políticas de redução da pobreza. Neste plano, a fiscalidade tem vantagens sobre as limitações administrativas (mais facilmente contornáveis), pelo que a parte da limitação da desigualdade a fazer a partir do topo deveria basear-se num aumento significativo da taxa máxima do imposto sobre os rendimentos pessoais mais elevados.

2. Na conjuntura actual, essa pressão fiscal teria a vantagem de contrariar um sistema de incentivos que premeia alguns dos comportamentos empresariais que contribuíram para a crise em que vivemos: as práticas de remuneração dos altos dirigentes das grandes empresas através de salários crescentemente elevados mas desligados dos resultados operacionais dessas mesmas empresas. Teria, ainda, a vantagem de reforçar a legitimidade de medidas que, sendo necessárias em tempo de crise, afectam os empregos e os rendimentos das pessoas de menor rendimento.

3. A relação entre rendimentos elevados, aumento da fiscalidade e resposta à crise financeira-económica não é nova. Como recorda Thomas Piketty, entrevistado no último número da Alternatives Économiques, a taxa mais elevada do imposto sobre rendimentos individuais nos EUA na altura de crise de 1929 era de 24%. No âmbito das políticas do New Deal, Roosevelt elevou-a para 63%, em 1932, 79%, em 1936 e 81%, em 1941. Este nível só começaria a baixar ligeiramente a partir de 1964, passando então para 77% e oscilando entre este valor e 70% até 1980. Depois, bem, depois foi a abrupta descida da taxa, com Reagan, até aos actuais 35% (ver gráfico). As eleições contam!



Taxa máxima de IRS sobre os rendimentos mais elevados nos EUA, 1929-2008
Fonte: Urban-Brookings Tax Policy Center (link).


4. Nos EUA, não num qualquer país socialista ou nórdico social-democrata, a taxa do imposto sobre os grandes rendimentos foi alta (em torno dos 80%) num período de grande crescimento económico e de forte contracção da desigualdade. O período, como sublinha Krugman, de crescimento das famosas classes médias americanas. A sua baixa não esteve apenas relacionada com o reagravamento da desigualdade para níveis equivalentes aos dos anos 20 do século passado. O crescimento exponencial dos salários dos altos dirigentes das grandes empresas que acompanhou esse desagravamento fiscal constituiu também um estímulo para a irresponsabilidade financeira de muitos dos altos dirigentes das muito grandes empresas. E, portanto, também para a crise em que hoje vivemos.

[Texto também publicado no Outubro.]