sexta-feira, 29 de maio de 2009

Entricheirados

Contra a reforma do ensino superior, esta ou qualquer outra, cavam-se trincheiras em defesa de um sistema cujo desempenho não resiste a uma comparação internacional séria. Esta reacção conservadora procura ocupar o espaço público recorrendo a um conjunto de exercícios de retórica, exemplarmente postos em prática na entrevista de António Novoa ao Público de 21 de Maio. Recordemos dois.

1. Primeiro exercício: a desvalorização do que começou por se combater. Exemplo: “o essencial de Bolonha está longíssimo de ser cumprido”. Admitamos sem dificuldade que ainda falta consolidar devidamente a transição para o modelo de Bolonha, embora essa consolidação tenha níveis diferentes em diferentes universidades. Tal não evita que, antes da lei de 2006, Bolonha estivesse longíssimo de se iniciar. Se então não foi possível adiar a mudança, agora menoriza-se o alcance dessa mesma mudança.

2. Segundo exercício: a caricaturização do que se critica. Exemplo: “o RJIES [regime jurídico das instituições do ensino superior] é o fechar de um ciclo em que se endeusava a lógica do mercado, da gestão empresarial… Nos últimos seis meses, o mundo avançou de uma maneira tão brutal que muitos destes modelos se tornaram caducos”. Comprovação da proclamada orientação para o mercado do RJIES por referência ao articulado da lei, nada (apenas uma citação descontextualizada de Vital Moreira). Como também nada tem a ver com orientação mais pública ou mais mercantil da reforma a reivindicação a propósito feita de mais participação institucional dos estudantes nos órgãos das universidades.

3. Infelizmente, a eficácia destes exercícos de retórica anti-reformista é facilitada pela forma como o MCTES tem lidado quotidianamente com as instituições do ensino superior. É pena, mas António Nóvoa tem razão quando, em entrevista ao último Notícias Sábado, afirma que “este Governo intervém de mais onde não devia, que é na vida das instituições, na sua autonomia, e de menos onde devia, que é na regulação e na avaliação do sistema”. É só substituir “Governo” por “MCTES”.