Crato escondido com rabo de fora
1. Do exercício de comparação dos programas dos partidos resultam algumas conclusões surpreendentes. Por exemplo, formalmente, os dois programas mais parecidos são os do PC e do PSD. Em ambos predominam as proclamações ideológicas sobre as programáticas, as ideias gerais sobre as medidas concretas de política. E se no caso de um partido de protesto como o PC a vacuidade resultante é pouco importante, o mesmo já não se passa quando o programa em causa é o de um possível partido de Governo, como o PSD.
2. No caso do PSD, aliás, o problema é ainda mais grave, pois o estilo enrolado nem sequer permite identificar com clareza a natureza ideológica das propostas em causa. Um exemplo, retirado do capítulo sobre a educação: “Privilegiaremos […] a definição e verificação, preferencialmente por entidades exteriores à escola, de objectivos mínimos para o respectivo ano ou ciclo de estudos, com o objectivo de estimular a aprendizagem e apontar exemplos de sucesso.” A clarificação do que está enrolado exige tradução. Traduzamos, pois:
(a) a “verificação […] de objectivos mínimos para o respectivo ano ou ciclo de estudos” = mais exames nacionais;
(b) “preferencialmente por entidades exteriores à escola” = os exames passam a ser realizados por entidades privadas.
3. Ou seja, o PSD compra as teses de Nuno Crato de multiplicação de exames nacionais no final de cada ano de ensino, prática totalmente original em termos internacionais, e de privatização do GAVE (o organismo do Ministério da Educação que prepara e aplica os exames e provas nacionais). Tudo bem. Podia era dizê-lo em vez de o esconder com uma frase enrolada. Como podia a seguir deixar de fazer de anjinho quando confrontado com a crítica de que pretende encetar a privatização da educação, na linha, aliás de declarações públicas de Manuela Ferreira Leite.