Gostará o meu cão de João Carlos Espada?
1. João Carlos Espada descobre, no Expresso de 22 de Abril (“A Rainha e as mulheres”), que, segundo um “curioso estudo de The Economist”, as mulheres entraram em massa no mercado de trabalho nas últimas décadas. E dá exemplos dessa sua descoberta através de The Economist: “na Dinamarca, Suécia, Canadá, Inglaterra e EUA, mais de 60 por cento das mulheres trabalham”. Não refere Portugal, porque não lhe dá jeito ou porque o The Economist é omisso sobre a situação no nosso país. No entanto, consultando por exemplo uma fonte tão prosaica como o Eurostat ficaria a saber que Portugal tem a terceira maior taxa de actividade feminina na UE-25, logo a seguir aos países nórdicos e quase 10 pontos percentuais acima do valor da taxa no Reino Unido (ver “Portugal nórdico?”, aqui no Canhoto).
2. E acrescenta Espada: “Como se não bastasse o facto de a Rainha de Inglaterra ter sido pioneira desta emergência feminina, acresce ainda que tudo isso aconteceu sem recurso a quotas para as mulheres.” É verdade, a rainha de Inglaterra não precisou de quota para obter o seu lugar: herdou-o. Melhor protecção contra o arrivismo do mérito do que a monarquia não há. E as mulheres também não precisaram de quotas para entrar no mercado de trabalho, nos países nórdicos ou anglo-saxónicos como em Portugal. Nem, que se saiba, alguém alguma vez ligou quotas com feminização do mercado de trabalho. A discussão das quotas para as mulheres centrou-se apenas no problema do acesso aos lugares de topo da política. É que nem todas são filhas de reis e rainhas…
3. Ah, o título deste texto. Segundo Espada, que argumenta encarniçadamente em defesa do papel da actual rainha de Inglaterra, o ex-presidente da República Checa, Vaclav Havel, teria “ficado particularmente impressionado com o facto de o seu cão ter imediatamente simpatizado com a Rainha”. Antes, já Espada tinha assinalado o 80.º aniversário da Rainha Isabel II de Inglaterra, no passado dia 21 de Abril: “Um pouco por todo o mundo, incluindo Portugal, realizaram-se jantares de smoking para celebrar o evento e desejar longa vida a Sua Majestade”. E rebate desde logo a eventual crítica desta manifestação pelos que intitula “os nossos ideólogos de serviço”. Ideólogos são sempre os outros! Como se ideologia não fosse o que Espada faz em cada artigo que escreve. E ideologia de serviço, para usar os seus termos, a uma causa bem identificável: a do neoconservadorismo que tem nele o principal porta-voz em Portugal.
4. Estas tiradas têm garantido que sejam muitos os que estranham que eu ainda perca tempo a ler o que Espada escreve. Fazem mal em estranhar, porque a criatura não deve ser tratada no plano da anedota. João Carlos Espada é, como disse, o ideólogo de serviço da causa neoconservadora em Portugal, para o que dispõe de recursos de propaganda abundantes e eficazes. Tem sido capaz de influenciar, directamente ou através das alianças que estabeleceu nos média, a agenda comunicacional no país. E, agora, integra um dos centros do poder político institucional: a Presidência da República.
De início, nos EUA, todos se riram também com o aparente ridículo das tiradas dos neoconservadores que levariam Bush filho ao poder…