segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

E é isto a renovação da esquerda?

Se o que se discutiu no Fórum das Esquerdas no painel sobre educação é exemplo do que se discutiu noutros painéis, e tudo leva a crer que sim, a renovação da esquerda em Portugal não passa por ali.

1. A questão da educação em Portugal é preocupante, como já o referi noutros textos publicados no Canhoto (por exemplo aqui e aqui). Somos um dos países da OCDE com pior desempenho educativo em todos os planos: menores taxas de escolarização à medida que vamos subindo nos graus de ensino, elevadas taxas de repetência só superadas pelas taxas observadas na África subsaariana, um dos maiores índices de desigualdade inter-escolas de entre todos os participantes no PISA, etc., etc.

2. Perante esta situação, só através de uma redefinição radical do papel da escola pública, recolocando-a no centro das políticas de qualificação escolar e de redução da desigualdade escolar, será possível recuperar o atraso acumulado. Este tem sido, desde a primeira hora, o objectivo da política educativa do actual Governo, objectivo que pode ser facilmente ilustrado com três exemplos (entre muitos outros possíveis). Em primeiro lugar, com a requalificação do primeiro ciclo, fechando as escolas-cárceres com meia dúzia de alunos e desenvolvendo a escola a tempo inteiro com horários mais alargados e actividades de enriquecimento curricular. Em segundo lugar, promovendo o sucesso escolar e a captação de alunos ao abandono escolar com a criação de milhares de novos cursos profissionais, em poucos anos, na escola pública secundária. Finalmente, ampliando, numa escala sem precedente nos últimos anos, os apoios sociais aos alunos e às famílias, em particular através do financiamento público das refeições e dos manuais escolares.

3. Domingo, 14 de Dezembro, reuniu o Fórum das Esquerdas, em Lisboa. Segundo o Público, “o tema era a educação [mas] o debate […] acabou por centrar-se nos professores”, em particular “na avaliação dos professores”. Sobre os alunos e a sua formação e sucesso, para além das oportunidades de partida, isto é, sobre a missão da escola pública, pouco ou nada. O mesmo na intervenção final de Manuel Alegre. A sua proclamação geral sobre a necessidade de defesa da escola pública fez-se acompanhar de uma única referência concreta à questão educativa: a avaliação dos professores. Sobre as políticas concretas que permitem aquela defesa, de novo nada. Inevitavelmente, fez-me lembrar o célebre episódio da série Yes Minister sobre o maravilhoso hospital sem doentes.

4. Se isto é pensamento alternativo de esquerda, estamos conversados. Noutros tempos, porém, a confusão entre interesse geral nos serviços públicos e interesse dos servidores públicos seria classificada como característica do projecto da “sociedade burocrática”, não de um qualquer projecto de renovação da esquerda…